O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Vinho ultrapassa sol e mar como maior atributo turístico de Portugal


Por: Ana Rute Silva in Jornal Público 20/2/2014

Nem sol, nem mar. O maior potencial turístico de Portugal e o produto que deve ser divulgado a nível internacional para vender o país como destino é o vinho. Num inquérito conduzido pelo IPDT, Instituto de Turismo, divulgado nesta sexta-feira, 37% dos operadores estrangeiros questionados dizem que este é o melhor argumento de promoção do país fora de portas, e 31% dizem mesmo que associa o vinho ao turismo nacional.

Em 2012, este produto só era relacionado a Portugal por apenas 7% dos inquiridos e, um ano antes, por 10%. Destronados, o sol e o mar captam, agora, o interesse de 17% dos especialistas (37% em 2012 e 45% em 2011).

António Jorge Costa, presidente do IPDT, explica que este resultado é o fruto de uma “qualificação do destino que os empresários do sector têm vindo a desenvolver, tal como os próprios decisores políticos”. “Não podemos esquecer que o sol e o mar continuam a captar a grande fatia dos turistas que nos visitam, mas são visitantes sazonais”, disse ao PÚBLICO, acrescentando que são precisos produtos complementares.

“Temos visto o sucesso que o Porto e Lisboa têm tido no segmento das viagens city break [de curta duração]. Estas respostas também são o resultado de novas apostas e conceitos associados ao design e aos produtos gourmet”, sublinha.

As praias extensas e o bom tempo mantêm-se como âncora essencial para segurar turistas, mas as duas principais cidades do país passaram a estar no mapa dos grandes operadores. São o que António Jorge Costa chama “irmãos” do sol e mar.

Outro resultado que se destaca neste estudo, conduzido pelo IPDT junto de um painel de membros filiados na Organização Mundial de Turismo, é o peso que a história de Portugal pode ter na hora de promover o destino. Em 2013, 16% dos inquiridos disseram associar Portugal a “história”, valor que em 2012 era de 9% e de 5% em 2011.

O contexto de crise e o programa de ajuda financeira não são alheios a estes indicadores. “O facto de Portugal se estar a tornar mais dinâmico a nível internacional leva a que os turistas queiram saber mais sobre a história do país. Estamos a passar a crise sem grandes sobressaltos de paz social, apesar das dificuldades sentidas pelos portugueses. Cá dentro, é óbvio que não pensamos da mesma forma, mas quem está de fora compara com o que se passa na Grécia ou em Espanha”, analisa António Costa.

Talvez seja por isso que 75% dos especialistas afirmem que a crise financeira não afectou negativamente a imagem de Portugal (55% em 2012). O presidente do IPDT diz que há uma “conjuntura internacional que acredita” no país e na forma como está a ultrapassar a turbulência financeira. Artigos como o que o Financial Times publicou nesta segunda-feira, dizendo que Portugal era o herói surpresa da retoma na zona euro, ajudam a construir uma imagem positiva, apesar da austeridade. E isso, diz António Costa, acaba por ter impacto na decisão de um turista quando escolhe o próximo destino. “Não tenho dúvida de que esta conjuntura terá impacto ao nível da decisão de pessoas que, antes, nem tinham em conta Portugal como destino”, afirma, concluindo que no meio de uma “grande turbulência, há oportunidades”.

No inquérito conduzido durante o mês de Dezembro, 32% dos especialistas que já estiveram no país escolheram-no por ser “agradável e especial”. Cerca de 28% vieram pelas “cidades, história e cultura”. Questionados sobre a qualidade das campanhas promocionais nos mercados internacionais, 20% dão 8, numa escala de 1 a 10. Quanto à experiência de férias, 16% dá nota máxima (8% em 2012). Nenhum dos inquiridos dá uma classificação abaixo dos seis valores.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Os consumidores internacionais especializados descobrem e valorizam activos que Portugal persiste em menosprezar...

 
Revista “Condé Nast Traveler” colocou a Rua Augusta, em Lisboa, e o Cais da Ribeira, no Porto, como duas das 31 ruas a visitar antes de morrer.
A edição espanhola da revista de viagens “Condé Nast Traveler” elegeu duas ruas portuguesas entre as 31 ruas que se devem percorrer antes de morrer.

A Rua Augusta, em Lisboa, e o Cais da Ribeira, no Porto, são as representantes nacionais numa lista que destaca os pavimentos e calçadas mais bonitos do mundo, segundo a revista.

A publicação descreve a rua da baixa lisboeta como “ampla, luminosa" e rematada por um arco que não deixa ninguém indiferente. Uma "passagem obrigatória para captar toda a essência da cidade”, que para a “Condé Nast Traveler” tem “o encanto do velho e do novo, misturando-os numa simbiose inigualável”.

Já o Cais da Ribeira, no Porto, é definido pela revista como “ a zona mais animada”, onde as casas “se apinham numa ordem caótica de azulejos e roupa estendida, sobre bares, restaurantes e esplanadas, em frente ao Douro”.

Entre as 31 ruas seleccionadas estão também as Ramblas de Barcelona, a Gran Vía de Madrid, o grande canal de Veneza, a Ocean Drive de Miami, a Neal's Yard, na zona londrina de Covent Garden, e a rua azul de Chefchaouen, em Marrocos.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Informação de última hora...

-----------AVISO!-----------
O governo português, no âmbito do seu  pensamento constantemente focado  no  bem-estar  dos  cidadãos, vai conceder tolerância de ponto nos próximos dias
29, 30 e 31 de fevereiro!

Bom descanso @ todos!
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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

"não há grandes homens para o seu criado de quarto"


Por: Manuel Maria Carrilho DN 13/02/2014


A minha crónica da semana passada, "Guterres à presidência", suscitou múltiplas reações em geral positivas que, na verdade, não me surpreenderam. Foi como se, pela primeira vez muita gente se tivesse libertado das baias mediáticas do nosso infotainement, e pensado um pouco pela sua própria cabeça no assunto: ou seja, na função, no perfil, na missão que se devem esperar e exigir do próximo Presidente da República.

Eu sei que, antes, ainda há europeias e legislativas. Que os resultados de umas e outras não serão despiciendos para esta matéria, mas creio que estas crónicas também devem servir - pelo menos de vez em quando - para ver mais longe e procurar pensar no médio/longo prazo. Só assim o conseguimos preparar, e deixar de vaguear ao sabor de folhetins mediático-políticos.

Foram muitos os que manifestaram apoio à hipótese apresentada e à ideia defendida, e é isso o que mais interessa. Mas também houve muitos que manifestaram o seu ceticismo em relação a um aspeto decisivo: estará António Guterres disponível para se voltar a meter no vespeiro em que se tornou hoje a vida política portuguesa? - e não só portuguesa, claro. É uma questão a que só o tempo poderá responder.

De qualquer modo, as regras do jogo hoje vigentes impõem que qualquer candidato credível tenha de estar "indisponível" até ao momento certo, sendo o estado de disponibilidade quase sempre um passo certo para o desastre. Dito isto, estou convencido de que, a não haver alternativas internacionais - e, na verdade, não será fácil que as haja -, António Guterres não recusará uma tal missão, se sentir o apoio popular e político a tal opção.

E não é uma opção fácil, os tempos que se vivem são muito difíceis, nomeadamente para as personalidades que se afirmam acima da média e que façam da política uma missão. O debate sobre o fim dos "grandes homens" é interessante, mas em geral muito enviesado e mal conduzido. Lembro, sempre que o assunto vem à baila, uma frase que Hegel partilhava com Goethe: que "não há grandes homens para o seu criado de quarto". Isto é, para quem se ocupa apenas do que é mais comum, mais trivial, mais corriqueiro, mais banal, na vida quotidiana de todos os seres humanos. O "criado de quarto" só via isso, porque a sua função era mesmo essa, o que naturalmente o impedia de distinguir o mais idiota do mais genial dos homens.

Ora, a principal razão por que hoje se diz e repete com a evidência de um estereótipo que "já não há grandes homens", é que a função do criado de quarto do século xix se transferiu, no nosso tempo, para os media. São eles, os media, que constantemente limitam o que se vê à sua curta perspetiva, aos seus duvidosos valores e aos seus mais ocultos interesses, bloqueando a emergência, a perceção e a afirmação de tudo o que escape à sua poderosa lente. Porque "grandes homens" continua a havê-los, o que acontece é que quase deixou de ser possível vê-los e conhecê-los.

Basta pensar nos "tratos de polé" que seriam infligidos hoje a homens da craveira, por exemplo, de um Winston Churchill, lendo os seus dossiers durante a manhã na banheira, bebendo o seu whisky regularmente, entregue às suas noitadas e aos seus charutos. Qualquer idiota com um microfone nas mãos o cilindraria, sentindo-se - e isso é sem dúvida o mais grave - superior na sua extrema vulgaridade denunciadora, mas, atenção...politicamente correta!!!
São tempos de facto difíceis. De autêntico "canibalismo político!, como diz um autor que vale a pena ler com atenção, Christian Salmon, que assinala no processo de desconstrução da função política uma dupla revolução: por um lado, a da perda da soberania dos Estados, a pouco e pouco esvaziados de real conteúdo e poder pela lógica do ultraliberalismo. Por outro lado, pela revolução tecnológica dos meios de comunicação, que fizeram que "o político apareça cada vez menos como uma figura de autoridade, a que se obedece, e mais como algo que se consome. Menos como uma instância de produção de normas do que como um produto da subcultura de massa, um artefacto à imagem de uma qualquer personagem de série ou jogo televisivo..."

Estas transformações deram lugar nos últimos trinta ou quarenta anos à definição de um novo tipo de político, que se foi formatando no cruzamento de uma cada vez maior inspiração nos valores empresariais e de uma obsessão pela telepresença permanente. A crise da condição política surge, assim, simultaneamente com todas as outras crises - financeira, económica, social, cultural, etc. -, partilhando com elas os mesmos impasses.

Na Europa tudo se tornou ainda mais grave, porque a construção europeia se revelou, na prática, e para surpresa de muitos, um processo de desconstrução - ou mesmo de destituição - da política. Nomeadamente porque a "soberania partilhada" não conseguiu nunca superar as consequências do abismo que se cavou entre o poder e o dispositivo representativo, entre a capacidade de agir e o simbolismo do Estado. Pelo contrário, o abismo acabou por dar lugar a duas realidades que cada vez se opõem mais intensamente, por um lado a burocracia e as decisões sem rosto, por outro a democracia e os seus rostos sem poder.

Neste contexto, a política passou, como diz Christian Salmon, "da era do debate, da discussão e do dissenso para a era do interativo, do performativo e do espectral. Do storytelling à performance narrativa, da diversão narrativa à devoração das atenções. A comunicação política não visa apenas formatar a linguagem, mas também a embruxar os espíritos, mergulhando-os num universo espectral onde eles são simultaneamente performers e vítimas. São eles que presidem a esta cerimónia canibal em que se tornou a vida política".

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

No que dá um carro mal estacionado...


Sobre a riqueza que persistimos em não gerar...

Nos últimos tempos, volta-se a falar de reindustrialização, e surgiram estudos e inúmeras opiniões sobre um assunto que é caro a toda a Europa. É um objetivo difícil de alcançar, no atual quadro europeu, e com as regras em vigor no comércio internacional. Principalmente em países como o nosso, onde a aposta foi diferente desde a adesão.

Por cá, ouvem-se especialistas, que nos explicam o que fazer, e como o fazer. Escutamos os políticos, que agora defendem a ressurreição de um modelo que ajudaram a condenar. O consenso é, por vezes, patético, quando é feito de lugares comuns e de meras intenções. E, por isso, a reindustrialização corre o risco de ser um segundo "cluster do mar", defendido pelos seus antigos coveiros, e por românticos bem-intencionados que não conhecem a realidade.

Portugal precisa de ser autossuficiente, tem de exportar mais e de substituir as importações, equilibrando o défice externo e criando emprego. Algo que só é possível com políticas transversais, que também tenham impacto no setor primário e nos serviços.

Para que isso seja possível, o país tem de favorecer o investimento privado, de promover a produtividade, de aumentar a competitividade. Não nos iludamos, contudo. Com uma moeda forte, num continente vulnerável ao dumping internacional, com a economia nacional em recessão, com custos de contexto elevados por influência dos setores não transacionáveis que escapam às regras da sã concorrência, suportando o sobrepeso do Estado, pagando uma taxa de juro muito mais alta do que os nossos vizinhos, não dispondo de matérias-primas, não podemos contar com milagres.

Antes de mais, é preciso conquistar a confiança dos investidores, sejam eles nacionais ou estrangeiros. Isso passa, por exemplo, por colocar um ponto final nas imponderabilidades legal e fiscal. Qualquer investidor sabe que corre todos os riscos inerentes ao seu negócio, mas não aceita estar à mercê de outros fatores imponderáveis. Não escolherá investir num país onde a justiça é morosa e, pior do que isso, improvável, ou onde há uma ameaça permanente de alterações fiscais que não podem ser precavidas.

O Estado que temos representa, em função da riqueza que geramos, um pesado fardo que resulta em custos de contexto elevados. E, não podendo ser mais barato, terá de ser mais eficiente, muito mais eficiente, nomeadamente na aplicação da Justiça, na desburocratização e na regulação. Quanto ao investimento público e às políticas de fomento ao investimento privado, exige-se que o Estado seja parcimonioso, alocando os recursos escassos de acordo com critérios que concorram para o objetivo anunciado, dando preferência aos investimentos que têm efeitos multiplicadores na economia, invertendo a sua política centralizadora que prejudica as regiões que mais exportam e cujo tecido empresarial é mais resiliente. A criação de um ambiente favorável ao investimento não depende, ainda assim, exclusivamente do Estado Central. As cidades e as áreas metropolitanas dispõem, também elas, de instrumentos que podem ajudar a construir esse ambiente, fomentando a articulação interinstitucional, ligando a estratégia de atração de investimento à inovação, ao empreendedorismo e à regeneração urbana e social.

Tal como o Estado Central, também as autarquias necessitam de ser consequentes na alocação de recursos. Esse tema justificaria, só por si, uma outra crónica.

Sucede que esta é a minha última crónica neste jornal. Vou-me dedicar por inteiro a um projeto sobre o qual, por razões de ética e decência, nunca escrevi nesta coluna. Agradeço ao Jornal de Notícias por me ter concedido este espaço; a si, caro leitor, por me ter lido.

A última crónica
Por Rui Moreira, Publicado in Jornal de Notícias em 2013-03-31

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Afinal a culpa tem culpado: O Corneteiro de D. Afonso Henriques!

 

Nos primeiros tempos da fundação da nacionalidade - tempo do nosso rei D. Afonso Henriques - no fim de uma batalha o exército vencedor tinha direito ao saque sobre os vencidos.

(Saque - s. m. : acto de saquear. Roubo público legitimado).

Pois bem, após uma dessas batalhas, ganha pelo 1º Rei de Portugal, o seu corneteiro lá tocou para dar "início ao saque" a que as tropas tinham direito e que só terminaria quando o mesmo corneteiro desse o toque para pôr “fim ao saque”.

Mas, fruto de alguma maleita ou ferimento, o dito corneteiro finou-se, antes de conseguir tocar o "fim ao saque".

Sucedeu que até hoje, ninguém voltou a tocar, anunciando o fim do saque. Afinal a culpa é mesmo do corneteiro!...


Não haverá por aí alguém que conheça o toque ?

Moral da estória: Contra o que as más línguas viperinas apregoam, a culpa, em Portugal, não morre solteira. Há um culpado de tudo isto: O Corneteiro de D. Afonso Henriques!

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

domingo, 9 de fevereiro de 2014

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Portugal visto por António Lobo Antunes






Agora sol na rua a fim de me melhorar a disposição, me reconciliar com a vida.


Passa uma senhora de saco de compras: não estamos assim tão mal, ainda compramos coisas, que injusto tanta queixa, tanto lamento.


Isto é internacional, meu caro, internacional e nós, estúpidos, culpamos logo os governos.



Quem nos dá este solzinho, quem é? E de graça. Eles a trabalharem para nós, trabalharem, a trabalharem e a gente, mal agradecidos, protestamos.



Deixam de ser ministros e a sua vida um horror, suportado em estoico silêncio. Veja-se, por exemplo, o senhor Mexia, o senhor Dias Loureiro, o senhor Jorge Coelho, coitados. Não há um único que não esteja na franja da miséria. Um único.
Mais aqueles rapazes generosos, que, não sendo ministros, deram o litro pelo País e só por orgulho não estendem a mão à
caridade.


O senhor Rui Pedro Soares, os senhores Penedos pai e filho, que isto da bondade as vezes é hereditário, dúzias deles.
Tenham o sentido da realidade, portugueses, sejam gratos, sejam honestos, reconheçam o que eles sofreram, o que sofrem. Uns sacrificados, uns Cristos, que pecado feio, a ingratidão.

O senhor Vale e Azevedo, outro santo, bem o exprimiu em Londres. O senhor Carlos Cruz, outro santo, bem o explicou em livros.

E nós, por pura maldade, teimamos em não entender. Claro que há povos ainda piores do que o nosso: os islandeses, por exemplo, que se atrevem a meter os beneméritos em tribunal. Pelo menos nesse ponto, vá lá, sobra-nos um resto de humanidade, de respeito.


Um pozinho de consideração por almas eleitas, que Deus acolherá decerto, com especial ternura, na amplidão imensa do Seu seio. Já o estou a ver:
- Senta-te aqui ao meu lado ó Loureiro
- Senta-te aqui ao meu lado ó Duarte Lima
- Senta-te aqui ao meu lado ó Azevedo
que é o mínimo que se pode fazer por esses Padres Américos, pela nossa interminável lista de bem-aventurados, banqueiros, coitadinhos, gestores, que o céu lhes dê saúde e boa sorte e demais penitentes de coração puro, espíritos de eleição, seguidores escrupulosos do Evangelho.

E com a bandeirinha nacional na lapela, os patriotas, e com a arraia-miúda no coração. E melhoram-nos obrigando-nos a sacrifícios purificadores, aproximando-nos dos banquetes de bem-aventuranças da Eternidade.

As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de
enxergar a capacidade purificadora destas medidas. Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cacaracá?
Talvez. Mas passaremos sem dificuldade o buraco da agulha enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz.

A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente. Dá-me vontade? Ajoelho à
sua frente indigno de lhes desapertar as correias dos sapatos.



Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!
Loureiro para o Panteão já!
Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já!
Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia.
Para a Batalha.

Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram.

Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara. Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja respeito.

Estátuas equestres para todos, veneração nacional. Esta mania tacanha de perseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no.

Esta pouca vergonha contra os poucos que estão presos, os quase nenhuns que estão presos como provou o senhor Vale e Azevedo, como provou o senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis.

Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair.



Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar D. José que, aliás, era um pateta. Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano.
Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos. Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor deixem de pecar.

Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraíso. Agradeçam este solzinho.

Agradeçam a Linha Branca.

Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar.

Abaixo o Bem-Estar.


Vocês falam em crise mas as actrizes das telenovelas continuam a aumentar o peito: onde é que está a crise, então? Não gostam de olhar aquelas generosas abundâncias que uns violadores de sepulturas, com a alcunha de cirurgiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso? Não comem carne mas podem comer lábios da grossura de bifes do lombo e transformar as caras das mulheres em tenebrosas máscaras de Carnaval.


Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proíbam-se os lamentos injustos.


Não se vendem livros? Mentira. O senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender o nível da nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa.



Que queremos? Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto.

Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar?



O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não a ver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias.
Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever.

E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos uns aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes.


António Lobo Antunes




"O dinheiro corrompe, e o que chega de repente muito mais." - José Saramago.


"Quando a última árvore cair, quando o último rio secar, quando o último peixe for pescado, vocês vão entender que dinheiro não se come."
*Greenpeace*

domingo, 2 de fevereiro de 2014

The Shadows


Um recado...pela via da poesia de Drummond de Andrade, para os responsáveis da autarquia...

O prejuizo causado às pessoas e à economia local pela incúria e incompetência da CMSilves na prevenção do problema dos mosquitos e na anedótica resposta que deram ao evitável "ataque aéreo" que fustigou os locais e os turistas, bem podia ser inspiração de um poeta local. Na sua falta, Carlos Drummont de Andrade, dá um jeito....

Satânico é meu pensamento a teu respeito
E ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão
Numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem
A noite era quente e calma
E eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente
Te aproximaste
Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu
Sem o mínimo pudor!
Percebendo minha aparente indiferença
Aconchegaste-te a mim
E mordeste-me sem escrúpulos.
Até nos mais íntimos lugares
Eu adormeci.
Hoje quando acordei
Procurei-te numa ânsia ardente
Mas em vão.
Deixaste em meu corpo e no lençol
Provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite
Esta noite recolho-me mais cedo
Para na mesma cama, te esperar
Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força
Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos
Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo.
Só assim, livrar-me-ei de ti... [(mosquito filho-da-puta!) ]

Carlos Drummond de Andrade

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