O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
sábado, 5 de julho de 2025
"Mais no fim do mês, menos no fim do ano: o efeito perverso da nova retenção de IRS"
O governo anunciou com pompa e circunstância a descida do IRS e a alteração das tabelas de retenção na fonte, uma medida que, à primeira vista, agradou a muitos portugueses. Com mais dinheiro disponível todos os meses, muitos celebraram o alívio imediato no orçamento familiar. Mas agora, passados os meses de euforia silenciosa, chega a ressaca: milhares de portugueses estão a descobrir que deixaram de receber o tão esperado reembolso de IRS — e, em muitos casos, ainda têm de pagar.
Durante anos, os reembolsos foram vistos como uma espécie de “subsídio de férias involuntário” — um balão de oxigénio para despesas imprevistas, para a poupança, ou para aquela escapadinha de verão. Ora, com as novas regras, esse dinheiro deixou de ser “retido em excesso” ao longo do ano, o que significa que os contribuintes o receberam antecipadamente... e gastaram-no. Resultado: agora que o fisco faz as contas finais, o reembolso desapareceu e, para muitos, deu lugar a uma fatura inesperada.
A maioria dos portugueses não tem formação fiscal e não acompanha as alterações técnicas às tabelas de retenção. Não é por ignorância, é porque não tem de ser obrigação de cada cidadão ser especialista em impostos. Cabe ao Estado — neste caso, ao Governo — comunicar de forma clara, transparente e pedagógica as consequências destas mudanças. Isso não aconteceu.
Em termos macroeconómicos, é verdade que o consumo privado não desceu. O dinheiro que antes era retido pelo Estado foi usado ao longo do ano. Mas, ironicamente, regiões como o Algarve — particularmente zonas como Armação de Pêra, que dependem do consumo sazonal e do turismo interno — estão agora a sentir o impacto. Se as famílias gastaram mais no dia a dia, há menos margem para férias e escapadinhas. A medida que dava a sensação de “dinheiro extra” acabou por minar o próprio setor que mais beneficia do rendimento disponível no verão.
Mais preocupante ainda é o desequilíbrio psicológico que esta alteração criou: muitas famílias fizeram planos com base no hábito — “no IRS recebo sempre uns trocos” — e agora veem-se a braços com contas por pagar ou férias por cancelar. Isto não é apenas um problema económico, é uma questão de confiança entre o Estado e o cidadão.
Sim, a lógica da nova retenção é tecnicamente mais justa — paga-se o imposto mais próximo do que se deve realmente — mas é essencial que mudanças deste tipo venham acompanhadas de informação clara, campanhas públicas e até simuladores acessíveis. Porque mais de 50% da população portuguesa, segundo os dados, tem dificuldades em compreender conceitos básicos da fiscalidade. E não podemos legislar como se todos fossem especialistas.
Uma boa política fiscal não é só aquela que alivia o bolso. É a que protege o contribuinte da surpresa — e o informa com verdade. Mais do que baixar impostos, é preciso não baixar os braços no dever de explicar.
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