sábado, 29 de março de 2014

Et puis, ce fut l’hiver …



Tu sais, le temps a une manière d’aller très vite sans que tu t’aperçoives des années qui ont passé.
Il semble qu’hier j’étais encore jeune, nouvellement marié et je m’aventurais dans ma nouvelle vie avec ma conjointe.
Pourtant il appert qu’il y a bien longtemps de cela et je me questionne où sont passées toutes ces années.
Je sais que je les ai toutes vécues selon mes espérances et mes rêves et de la façon qu’elles étaient à l’époque.

Mais, il est ici….
L’hiver de ma vie qui m’a attrapé par surprise.
Comment suis-je arrivé si vite ici?
Où sont passées toutes ces années et où s’est envolée ma jeunesse?
Je me rappelle bien d’avoir vu des personnes âgées pendant toutes ces années et qu’elles avaient beaucoup d’avance sur moi.
Cet hiver était encore si loin que je ne pouvais deviner ou imaginer ce qu’il était.

Mais, il est ici….
Mes amis sont retraités, grisonnent et se déplacent plus lentement. Je vois aussi des personnes encore plus âgées.
Quelques-unes sont en bonne forme, d’autres moins que moi, mais je vois de grands changements.
Je me rappelle qu'ils étaient jeunes et vibrant mais, tout comme moi, leur âge est plus apparent.
Je suis devenu le vieux que j’avais l’habitude d’observer et que jamais je n'aurais imaginé devenir.
Maintenant, à chaque jour, je réalise que prendre une douche est devenu la réelle tâche du jour.
Faire une sieste n’est plus un luxe, mais une nécessité car, si je ne le fais pas volontairement, lorsque je m'assois je m’endors immédiatement.

J’entre maintenant dans cette nouvelle saison de ma vie sans être préparé aux malaises, aux souffrances, à la perte d'une certaine force, l’habilité de fonctionner et de faire des choses que je désirais tant ,mais que je n’ai jamais réalisées.
Au moins, je sais que l’hiver de ma vie est arrivé.
Je ne sais pas ce que sera sa durée mais une chose est certaine, lorsque ce sera terminé et que s'en sera fini sur cette terre, une nouvelle aventure va commencer !

Oui, j’ai des regrets quant à certaines choses que je n’aurais pas dû faire et d'autres que j’aurais dû m’efforcer d’accomplir.
Il n'en reste pas moins que je suis très fier de plusieurs choses que j'ai faites et de certaines bonnes actions que j'ai a mon actif.
Tout cela fait partie de mon vécu.

- Tu oublies des noms, ce n’est pas grave, car les autres ont même oublié qu’ils te connaissaient...
- Tu réalises que tu n’es plus aussi habile à accomplir certaines choses et que les choses que tu aimais faire ne t’intéressent plus autant et alors ....
- Tu dors mieux dans une chaise longue avec la télévision allumée que dans ton lit. Cela s’appelle un « pré-sommeil » et non de l'insomnie...
- Tu as tendance à utiliser des mots débutants pas un «Q» : «Quoi ?», «Quand ?», «Quel ?», « Qui » ?
- Tu te plains que les imprimeurs utilisent de plus petits caractères dans leurs publications…
- Les villes et les villages ont éloigné les coins de rues de plusieurs pieds. Les trottoirs sont moins au niveau...
- Maintenant que tu as les moyens d’avoir des bijoux dispendieux, tu as peur de les porter partout...
-Tu t’aperçois que tout ce qui se vend dans les magasins est sans manche et ce qui t’apparaissait comme des taches de rousseur sont devenues des taches brunes…
-Tout le monde chuchote maintenant...
- Dans ta garde robe, tu as des vêtements de trois grandeurs, dont deux que tu ne porteras plus jamais...

Tout cela indique que tu es entré dans l'hiver de ta vie.

Par conséquent, si tu n’es pas encore dans ton hiver, laisse-moi te rappeler que le temps passe beaucoup plus vite que tu ne le penses.
Alors, s’il y a des choses que tu désires accomplir durant ta vie, s’il te plaît fais-le vite.
Ne remets pas à plus tard ...
La vie est si courte.
Fais ce que tu peux aujourd’hui même afin de vraiment profiter de toutes les saisons de ta vie.
Alors vis pour aujourd’hui et fais part de toutes les choses dont tu rêves à tes proches et à ceux que tu aimes.
Ils apprécieront et t'aimeront pour ce que tu es et se souviendront de ce que tu as fait pour eux durant toutes ces années passées.
Ce n’est pas ce que tu auras amassé, mais ce que tu auras dégagé qui indiquera quel genre de vie tu as vécue.

La vie est un cadeau et ta manière de vivre sera un cadeau pour ceux qui te succèderont.
Rends-la fantastique et vis-la bien !
Amuses-toi aujourd’hui!
Fais quelque chose de plaisant !
Sois heureux !
Aies une belle journée !
Rappelles-toi: ” La vraie richesse est la santé et le bonheur.
Vis heureusement en 2014 !
En terminant, considères ce qui suit :
Aujourd’hui, tu as atteint ton plus grand âge, mais tu es également plus jeune que tu seras demain.
Alors profites de cette journée le temps qu’elle durera.

D'ailleurs, le terme «Vieux » est intéressant dans certains cas tels que: «Vieilles chansons» «Vieux films» et le meilleur de tous :«Vieilles amies et vieux amis » !


sexta-feira, 28 de março de 2014

A minha Despesa é má. A tua Despesa é boa. Assim vamos longe!...


Passos Coelho contratou uma empresa, em regime de outsourcing, para assegurar o 
atendimento telefónico na residência oficial do primeiro-ministro por 25,1 mil euros. 
Isto apesar de ter no seu gabinete dez secretárias pessoais, nove auxiliares, e 12 
pessoas a prestar apoio técnico-administrativo em São Bento.

O contrato, assinado no dia 6 de Dezembro com a empresa We Promote - Outsourcing e 
Serviços, Lda. mas só publicado no dia 5 de Fevereiro no portal Base dos contratos 
públicos, inclui "designadamente as funções de atendimento telefónico, gestão, 
registo e encaminhamento de chamadas".

O gabinete do primeiro-ministro fundamenta a necessidade deste ajuste directo com 
"a ausência de recursos próprios".
O prazo do contrato é de um ano mas pode ser renovado por idêntico período 
"mediante aviso prévio por parte do gabinete de Passos Coelho.

Este já é o terceiro contrato celebrado pelo gabinete do primeiro-ministro com a 
empresa. O primeiro foi assinado no dia 4 de Fevereiro de 2012 por 10,4 mil euros e 
tinha um prazo de nove meses. O segundo foi celebrado a 15 de Janeiro de 2013 mas 
já por um prazo de 11 meses e 15 dias e por 12,5 mil euros. A justificação para 
adjudicar directamente com esta empresa foi sempre a mesma: "ausência de recursos 
próprios".

O i questionou o gabinete do primeiro--ministro sobre as razões que levaram a a
 contratar esta empresa, tendo em conta que o próprio gabinete já tem um número 
considerável de secretárias/assistentes mas até à hora de fecho desta edição não obteve 
qualquer resposta.

O i questionou ainda por que razão não recrutaram funcionários no grupo da 
mobilidade especial, evitando assim o recurso a uma empresa externa, mas também 
ficou sem resposta. Recorde-se que o governo lançou um programa de rescisões 
amigáveis destinado aos 213 mil trabalhadores com funções administrativas a auxiliares. 
Ao programa, que terminou a 30 de Novembro, recorreram cerca de 2600 funcionários.

EMPRESA-MÃE LIGADA AO LUXEMBURGO A We Promote é uma sociedade por quotas que 
tem por objecto a prestação de "serviços em geral, formação profissional, relações 
públicas, promoções, outsourcing, assistência a congressos e similares". Constituída em 
Fevereiro de 1996, a empresa é detida pela Sociedade Comercial Silvas (Primos), S.A., 
uma empresa de "compra e venda de bens imobiliários", que, por sua vez, é controlada 
pela Finanter Incorporation, uma empresa com sede no Luxemburgo. 
(Jornal I – 10.02.2014)

quinta-feira, 27 de março de 2014

Colecção Miró 

COISAS QUE AS TV(S) NÃO CONTAM


No poder: galos de Barcelos ou galos de combate?

A Colecção Miró - um lote de 85 obras - composto por óleos, guaches e desenhos, 
foi adquirido pelo Banco Português de Negócios (BPN), gerido por José Oliveira Costa, 
a um coleccionador japonês em 2006.

Em 2007 a leiloeira Christie's avaliou a colecção em 81,2 milhões de euros e, algum 
tempo depois, a mesma leiloeira avaliou-a em 150 milhões.


Estas avaliações foram feitas quando a colecção pertencia ao BPN, ainda banco privado.


Em Novembro de 2008, o BPN foi "nacionalizado" -apenas o lixo tóxico- e, depois de 
todas as aventuras e desventuras que decorreram da sua nacionalização, a Parvalorem 
-veículo estatal criado para gerir os activos tóxicos do BPN- através da sua administração, tornou à venda da Colecção Miró, uma das suas principais prioridades tendo, no final de 
2013, "fechado" o negócio com a Christie's.


A Parvalorem não cumpriu os prazos legais estabelecidos na Lei de Bases do Património Cultural para pedir a devida autorização para a saída das peças para o estrangeiro e, embora com o parecer negativo da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), a 21 de 
Janeiro de 2014, as obras já estavam expostas na leiloeira Christie’s, em Londres.


Agora vem a notícia mais interessante.Enquanto a Colecção Miró foi propriedade privada,
foi avaliada pela Christie's por valores que ultrapassaram os 150 milhões de euros; agora 
que a mesma colecção é propriedade do Estado Português, a mesma leiloeira avaliou-a em apenas 36 milhões.

Para completar esta palhaçada posso acrescentar que as condições da Christie's são as seguintes: a base de licitação para venda da coleção é de 36 milhões, sendo esta a 
importância a entregar ao Estado Português; tudo o que ultrapassar esse valor será 
propriedade da leiloeira.


Perceberam a jogada?
Uma providência cautelar "barrou" a concretização do negócio 
que, além de ilegal é um crime de lesa-pátria; entretanto, a Christie's já fez saber que 
continua interessada no negócio.
Claro... tenho a certeza que sim...
Alguém tem dúvidas sobre a "transparência" destas negociatas?


Alguém, ainda, duvida de que esta gente, está UNICAMENTE ao serviço de 
interesses obscuros, incompatíveis com o interesse público mesmo que tenhamos 
que ficar sem pele?


Será isto verdade?...
O prof. Marcelo Rebelo de Sousa já deu o "mote", a Parvaloren 
escreveu adar a conhecer tudo aquilo que já é do conhecimento público, mas falta esclarecer 
todo o negócio que todos nós temos obrigatoriamente de conhecer.


A Procuradoria Geral da República não terá o dever de investigar e depois esclarecer o que se 
passou entretanto? ou será que ao cidadão-contribuinte compete tão só pagar as dívidas e todo o aparelho do Estado que lá está para o defender e ao interesse público sem reclamar resultados?

segunda-feira, 24 de março de 2014

O Pedro está convencido de que o divino Espírito Santo o iluminou...


Isabel Tavares entrevista Alípio Dias

A União Europeia tem de fazer um acordo de livre comércio com a Rússia de Putin. Mas não sabe o que anda a fazer, diz

Houve três sinais que alertaram Alípio Dias, se não para a revolução, para que qualquer coisa aí vinha. O primeiro episódio passou-se quando tinha apenas 12 ou 13 anos e foi encontrar-se em Lisboa com o pai, chegado de uma estada em Angola e Moçambique. As histórias encadeiam-se umas nas outras e o economista acabou por ser o único homem do Norte a participar no almoço de 27 de Abril, na Cova da Moura, onde o general Spínola traçou o futuro do país. Entre 1974 e 1984 foi responsável pelo fecho das contas do Estado e em 83 negociou com o FMI um empréstimo de 650 milhões de dólares a Portugal. Garante que houve concessões que não foram feitas e não percebe porque é que hoje há-de ser diferente, a não ser pela mediocridade dos negociadores.

No 25 de Abril era director do jornal "Comércio do Porto". Tinha alguma ideia do que estava para acontecer?

Deixe-me ir um pouco atrás para explicar uma série de sinais que fui juntando e que me levaram a perceber que alguma coisa estava para acontecer, embora não soubesse o quê. O primeiro foi quando o meu pai, que tinha uma casa comercial, regressou de uma ida a Angola e a Moçambique. Eu teria 12 ou 13 anos, já não o via há dois meses, e pedi para ir encontrá-lo a Lisboa. E ele disse--me: "A viagem correu muito bem, venho muito feliz. De facto, Angola e Moçambique são países muito ricos. Agora, digo--te uma coisa, são grandes e ricos demais para serem governados do Terreiro do Paço." Esta foi a primeira coisa que me abriu os olhos e ficou a fervilhar, porque um puto também fica a fervilhar.

Qual foi a segunda?

Teria aí uns 15 ou 16 anos. Li o "Império Ultramarino Português", de Henrique Galvão [capitão do exército e inspector da administração colonial] e Carlos Selvagem [militar e jornalista], mas fiquei particularmente fascinado com o volume sobre Angola. O terceiro episódio foi um artigo do "L'Express", de Edouard Bailby, correspondente em Lisboa, já em Fevereiro de 74, "L'Armée au Portugal commence à bouger" [O exército em Portugal começa a movimentar-se].

Nessa altura, já era adulto...

Sim, já estava nos 30. Há mais dois episódios interessantes. O doutor Baltazar Rebelo de Sousa, ministro do Ultramar [73 a 74], convidou-me para ser secretário provincial em Moçambique. Eu achava que era tarde demais, que Portugal tinha perdido muito tempo e que a capacidade de negociar se teria esgotado. Fiquei profundamente agradecido, simplesmente, por muita velocidade que se imprimisse ao carro, não ia a tempo de evitar convulsões. Não sabia se cá, se lá, mas sabia que o problema existia.

O que respondeu o ministro?

Respondeu-me assim: "Tenho muita pena, mas tem razão, porque há pessoas que me dizem que eu estou a andar devagar demais e há pessoas que me dizem que estou a ir muito depressa."

Qual foi o outro episódio?

O último episódio foi com Spínola, que conheci numas férias com os meus pais, nas termas da Curia, tinha eu acabado de sair da Marinha. Enviou para minha casa, no Porto, o livro que escreveu, "Portugal e o Futuro", com uma dedicatória com a data de 20 de Fevereiro de 74. Lembro-me de ter recebido o livro a uma sexta-feira e, de sexta para sábado, não me deitei, estive a lê-lo. No fim, disse à minha mulher: a revolução está na rua.

O que o fez pensar que já não havia nada a fazer?

Sentia-se uma pressão externa muito grande, difícil de controlar. Tenho pena de que não se tenha aproveitado os anos 60 para fazer acordos, uma Commonwealth, que tivessem evitado todos aqueles anos de guerra. Penso que o dr. Marcello Caetano fez algum esforço e ainda acreditei que ele pudesse dar uma volta àquilo. Mas a corte que rodeava o almirante Thomaz - não ele, que era um homem determinado, ao contrário do que as pessoas pensam; na Marinha tinha fama de ser de uma disciplina férrea - tirou-lhe todo o espaço de manobra.

Qual foi o detonador do 25 de Abril?

Penso que o decreto do ministro da Defesa, Sá Viana Rebelo, dando possibilidade aos oficiais milicianos que não tinham feito a Academia Militar de entrar no quadro. As pessoas estavam cansadas da guerra, percebia-se que era preciso uma solução. Mas estava-se a viver melhor, o PIB estava a crescer 7%.

O que correu mal de então para cá?

O que temos hoje é falta de combinar a economia, que não é uma ciência exacta, com a diplomacia, a sociologia, a história. Em 74, o nível de vida melhorava de dia para dia, foi criada segurança social para as pessoas do campo, mas Portugal podia aguentar 13 ou 14 anos de guerra, não podia aguentar muito mais. Havia três frentes de batalha pesadas, Guiné, Angola e Moçambique, cerca de 300 mil homens e armas. As Forças Armadas estavam esgotadas, as famílias não queriam que os filhos fossem para a guerra... Eu estava na Marinha, tinha um irmão no Exército e outro na Força Aérea.

O que fazia na Marinha?

Fui para a Marinha como voluntário e acabei por ter sorte. Embarquei com o almirante Pinheiro de Azevedo num dos navios da NATO, que só navegavam até Cabo Verde, faziam transporte de tropas e eram sempre escoltados.

Como foi parar a um jornal?

Eu estava no Banco Borges & Irmão e tinha várias conversas com o dr. Manuel Quina, presidente do banco, que também tinha a certeza de que alguma coisa ia mudar. Ele queria ter dois ou três jornais na mão, de certa forma, já se sabia que o exame prévio ia acabar... Havia informadores dentro dos jornais. No Porto, o banco Borges ficou com o "Comércio do Porto", e em Lisboa com o "Jornal do Comércio" e o "Popular". Quem estava para ir para director do "Comércio do Porto" era o Fernando Namora. Acabei por ir eu, que trabalhava no Borges até às 18h, fechava o jornal lá para a meia-noite e ainda dava aulas. Era administrador-delegado e director do jornal, onde nunca ganhei um tostão. Vendia muito bem na província e chegava a tirar 45 a 50 mil exemplares. À segunda-feira tirávamos mais porque tínhamos uma boa parte desportiva, e havia um tipo na política que não era mau, o João Maia, que era comunista.

E como era a sua relação com ele?

Quando cheguei disse-me esta coisa extraordinária, que foi uma enorme prova de confiança: "Sôtor, quero que saiba que sou comunista e quando saio do jornal vou trabalhar para o partido. Agora pode-me mandar prender."

O que respondeu?

Disse-lhe que, se algum dia fosse preso, aquela conversa nunca tinha existido, ficava só entre nós dois.

Nunca houve problema?

Uma vez, o almirante Thomaz foi ao Porto, aí em Setembro, Outubro de 73, e o chefe de redacção pôs o João Maia na escala, de propósito. Ele veio ter comigo e eu disse, tem duas hipóteses, ou faz o serviço ou não faz. Se faz, escreve o que viu: se teve palmas, teve palmas; se teve assobios, teve assobios; se não teve ninguém, não teve ninguém. Faça limpinho. Se não faz, eu altero as escalas. Ficámos amigos até morrer, ele fazia anos no dia 24 de Dezembro e eu ia sempre ao almoço na casa dele. Era um verdadeiro comunista, vivia como pensava.

Quando soube do golpe militar?

Fui alertado às quatro menos um quarto da manhã por dois tipos de pessoas. Havia sempre alguém toda a noite no jornal a ouvir as estações de rádio estrangeiras - BBC, Deutsche Welle e outras -, a ver se havia alguma notícia que pudéssemos captar. Por outro lado, os jornais tinham correspondentes em todas as vilas e aldeias - não ganhavam nada, tinham um cartão que lhes dava acesso a entrar no futebol e noutros sítios e dava-lhes prestígio local. Foi o meu correspondente de Santarém que me ligou a dizer: "Sôtor, os tanques estão a sair de Santarém e vai acontecer uma revolução." E eu, a partir daí, alertei outros. Fui para o jornal e começámos a seguir os movimentos todos.

Para quem telefonou?

Às sete da manhã telefonei ao dr. Quina e contei o que estava a ouvir desde madrugada. Ele achou que não devia ser nada, mas eu disse: "Olhe que tem cara de ser qualquer coisa." E telefonei para o administrador do banco no Porto... Mandei fechar o banco Borges, no Porto, às dez da manhã. Foi o primeiro.

Porquê?

Já não tínhamos notas. As pessoas começaram todas a levantar dinheiro. O Banco de Portugal foi dando, dando, dando, até que já não tinha mais para dar. Fechou o Banco de Portugal, fechámos nós. Nem o administrador do banco tinha chegado ainda e eu era um subdirectorzeco, nem sei se já era. Dizia o gerente, "ah, mas ainda ninguém fechou..." "Então seremos os primeiros, não somos os maiores?! Você tem dinheiro? Não tem. Feche."

De onde vinha a sua relação com o dono do banco?

Quando saí da Marinha estava para ir para Harvard fazer um doutoramento. Tratei da papelada toda, mas precisava de uma bolsa de estudo. Na altura, quem dava as bolsas era o Instituto de Alta Cultura, mas aconteceu que fui chamado ao vice-reitor, que me disse que, pura e simplesmente, não havia dinheiro. Eu já era casado e tinha um filho. No caminho para casa cruzo-me com o dr. Santos da Cunha, que era administrador do Banco Borges & Irmão e pai de um colega meu da primária e do liceu. "Então, onde é que o menino vai?", perguntou. E eu contei que o menino estava enfurecido porque, depois de servir o seu país três anos e tal, de andar embarcado e de fazer tudo o que a Marinha lhe pediu, estava agora com um lugar de segundo assistente a ganhar dois contos e setecentos - ao passo que na Marinha, como segundo tenente, já ganhava quase cinco contos e trezentos, tinha a gasolina a cinco escudos, enfim... E pergunta ele: mas tu queres trabalhar? Eu expliquei que tinha de trabalhar, apesar de gostar muito de dar aulas, porque precisava de sustentar a minha família, não podia estar dependente dos meus pais e dos meus sogros.

E convidou-o para o banco Borges?

Eu tinha sido o melhor aluno do meu curso, recebi o diploma pela mão do almirante Américo Thomaz... Expliquei que ainda me faltavam uns meses para acabar a instrução que estava a fazer, já tinha uma companhia de 120 homens, que foi uma experiência muito útil, e ele disse--me para passar pelo banco quando tivesse acabado o que tinha para acabar.

Disse que a Marinha lhe foi útil. Hoje não há serviço militar obrigatório...

O governo ter acabado com o serviço militar obrigatório foi um erro gravíssimo. Não digo que durasse três anos e tal, mas 12 a 14 meses, sim.

Porquê?

Porque se misturavam pessoas de norte a sul, gente que não tinha nada com gente que tinha tudo, havia uma miscigenação, uma amálgama, mas aproximava as pessoas, havia camaradagem. Digo-lhe uma coisa: se não fosse a Marinha, a minha vida tinha sido outra.

O serviço militar tem custos. Terá sido por isso que acabou?

Não. É muito pior pagar aos desempregados e a esta desordem que é este país. Ter de alimentar a polícia por causa dos vadios, tudo isto é muito pior. Isto são os jotas que não quiseram servir a pátria, não quiseram fazer o juramento de honrar e servir a pátria até à última gota do seu sangue.

Esta geração de jotas foi educada pela sua geração, não foi?

Pela minha não, que eu nunca quis jotas. É o maior erro que os partidos estão a fazer. Mas já havia jotas com Sá Carneiro. Eu dizia sempre: Francisco, é um erro que se está a fazer. Ele achava que era o futuro. O futuro, Francisco, é estudar, é obrigá-los a conhecer as pessoas, a passar por algumas dificuldades. Mas em vez disso estamos a criar meninos e meninas que vão para os gabinetes, que metem cunhas, que querem ter carrinhos, que dormem com ministros, uma bagunçada, e daqui a uns anos vamos ter gente incompetente a governar-nos.

E o que dizia Sá Carneiro?

Que não, que tinha de se fazer escola, para eu não o contrariar. Sempre disse que não queria jotas comigo, estive oito anos num gabinete e nunca tive nenhum. Tive juízes conselheiros, pessoas mais velhas que eu, por isso fiz a reforma fiscal toda. Os jotas têm de trabalhar, têm de sofrer, têm de saber o que é viver só do seu trabalho, respeitar as outras convicções. Porque não tenha dúvida, a malta que temos hoje no poder, se pudesse, não fazia nada. Olhe o que estão a fazer aos pensionistas... Sabe quanto me tiram? 92%. Só fico com 8%. É um confisco.

O que falta à geração que está hoje no poder?

Falta ser educada. Education, no sentido inglês do termo. Esta geração não teve education, permitem-se fazer tudo, não respeitam constituições, não respeitam leis. Tenho muito respeito pelo Pedro, mas não pode ser. Ele não pode dizer o que disse ao Bloco de Esquerda na Assembleia da República, tem de responder. Mas sabem que estão a conduzir uma política errada. Há incompetência e há desonestidade intelectual. Porque é que Vítor Gaspar saiu? Percebeu que esta política só nos conduzia à desgraça e não quis participar nisto, safou-se.

É uma espécie de prémio? Vítor Constâncio saiu do Banco de Portugal, depois do caso do BPN, e foi para o BCE.

Se eu fosse ministro, nunca teria nacionalizado o BPN. O regime geral das instituições de crédito, o que diz é que quando um banco está incapaz de se aguentar, o Banco de Portugal deve nomear uma comissão administrativa para indagar. Houve uma pressa enorme de nacionalizar, porquê?

Porquê?

Ninguém sabe. Não há um livro branco. Se eu fosse ministro e o governador do Banco de Portugal me viesse com a história de não ter responsabilidade... Vá ver o que diz a lei orgânica. Teve responsabilidades, é consultor do governo nesta matéria. Que raio de lições é que isto dá ao país? O governo de Cabo Verde alertou o senhor Vítor Manuel Ribeiro Constâncio para fazer uma supervisão a sério ao BPN porque estava preocupado com o que se passava com o Banco Insular em Cabo Verde. Eu fui vice-governador do Banco de Portugal e no meu tempo não era assim.

Como era no seu tempo?

Fui a todos os sítios, porque tenho um feitio desgraçado e gosto de conhecer as pessoas. Fui ver onde estavam as barras de ouro e encontrei nas caves do Banco de Portugal dois sacos cheios de moedas de ouro que estavam por inventariar. Fui às caves, ao forno crematório das notas, onde se faziam as notas, onde se carimbavam as notas, onde se assinavam as notas, fui à sucursal do Porto...

Que outros achados fez?

Barras de ouro. Aquilo tinha muitas barras de outro dos nazis, com a foice e o martelo. Salazar proibiu a indústria de importar ouro e era o Banco de Portugal que punha as barras de ouro à consignação em dois ou três bancos, como o Atlântico e o Borges, que o vendiam. Quando um industrial precisava, ia ao banco e o banco serrava a quantidade pretendida. As nossas barras de ouro internacionais pesam cerca de 11 kg; as de ouro nazi, perto de 13 kg.

O que se seguiu ao dia 25 de Abril?

O 25 de Abril foi a uma quinta-feira. No sábado, dia 27 de Abril, houve um almoço na Cova da Moura, no Palácio, em que estavam mais ou menos 40 pessoas, e eu era a única pessoa do Porto.

A convite de quem?

Julgo que por causa do general Spínola. Quem me telefonou na véspera foi o major Vargas Fernandes. Estavam lá todos, a Junta de Salvação Nacional, comunistas, o Otelo Saraiva de Carvalho... Conheci essa gente toda nesse dia.

Para que foi o almoço?

Para juntar um grupo de pessoas que o general Spínola entendia que deviam envolver-se na actividade política, fundar partidos políticos, e para explicar o programa da Junta de Salvação Nacional e o envolvimento das Forças Armadas. Os três D: descolonização, democratização e desenvolvimento. Um almoço que foram umas sanduíches e cervejas.

Disse a alguém que lá ia?

Disse ao dr. Quina. A hierarquia, para mim, é uma coisa importante. O mal de Portugal é que não há hierarquias. A hierarquia não significa ser bruto, estúpido ou ditador. O problema é que hoje vivemos numa ditadura disfarçada. É um regime autoritário, se quiser. As pessoas não sabem mandar, só sabem impor, criar medo. Vivemos numa sociedade de medo. Pior do que no tempo da PIDE - e olhe que ainda tive três processos para ir a tribunal quando foi o 25 de Abril, todos por abuso de liberdade de imprensa. Nessa altura, o medo era diferente, mas se uma pessoa fizesse uma oposição decente, com argumentos, não havia grandes dramas. E não tinha hipótese de ter hierarquia sem competência.

E hoje, também é assim?

Hoje há muita incompetência, é por isso que estamos na situação em que estamos. E é por isso que as negociações com a troika são o que são. Eu fiz as negociações com o FMI: havia coisas que eles não aceitavam, havia outras que não aceitávamos nós. Por isso digo que há incompetência e há desonestidade intelectual. Não é possível manter isto.

Porquê?

Porque é a miséria total. Não tem hipótese nenhuma, ou então os manuais de economia estão todos errados.

O que é preciso fazer?

Duas coisas: aceitar uma política monetária não acomodatícia, ou seja, o Banco Central Europeu tem de imprimir notas e a taxa de inflação na Europa tem de subir para entre 3% e 5%. Deixem-se dessa marmelada, para não dizer pior, dos 2%. É 2% porquê? Porque é que 2% é bom e 3% é mau? É isto que quer fazer Mario Draghi [presidente do BCE], o único que tem visão na Europa. Os outros não sabem o que andam a fazer. Em três anos diminuímos o PIB em cerca de 17 mil milhões. Eu chumbava esta gente toda logo no primeiro ano.

Isso é suficiente?

Há outra coisa muito importante: precisamos de fazer um acordo de livre comércio com a Rússia, com a Federação Russa. Estamos a fazer com a Ucrânia porquê, porque é o celeiro da Europa? Passa pela cabeça destes incompetentes, Durão Barroso e todos os outros, que a Rússia ia deixar a Crimeia, onde eles passam férias? Nunca. Nós, União Europeia, nós, ocidentais, andamos a desgraçar os tipos da Ucrânia a troco de uma esmola.

E os Estados Unidos?

Os Estados Unidos têm de entrar no jogo, isto também lhes interessa. Porque é que surgiu o Plano Marshall? Porque é que me convidaram a mim, secretário de Estado, a fazer chamadas para os Estados Unidos e uma viagem de costa a costa? Não façam é um acordo com a Índia ou com a Indonésia, porque aí desgraçam-nos.

O que é que foi mal feito e nos deixou nesta situação?

Vejo todos estes professores a falar em investimento. Portugal tem a capacidade produtiva utilizada em 40% ou 50%. Vai investir em quê e para quê? Não faz sentido. Tem de ter produção. Estamos com 30% ou mais entre a capacidade de produção instalada e a produção utilizada. A malta foi no engodo e esqueceu-se de que a moeda está para a economia como o sangue para o corpo humano. Quando se fala nos preços é no longo prazo, mas eles estão a querer tudo para já. Estamos a entrar numa fase de deflação e, se entramos aqui, é a desgraça. Uma "creeping inflation" é como dois cálices de vinho do Porto, anima. Mais do que isso, entontece. Se formos capazes de fazer isso... Como é que se pode ter 2,5% para o ano? Mata os portugueses.

É militante do PSD. Já explicou isso a Passos Coelho?

Não posso não ser leal e tenho as quotas pagas até 2019. Enviei uma carta ao primeiro-ministro e ao Presidente da República. Acho que estamos no limite, mas o Pedro está convencido de que o divino Espírito Santo o iluminou. Eu acho que estão a abusar. Há uma coisa que vem na Constituição: Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência, ao desenvolvimento, bem como o direito de insurreição contra todas as formas de opressão... Estamos a chegar a esta parte. Escrevi para chamar a atenção e dizer, cuidado, podemos chegar aqui. Eu, se fosse chefe militar, dizia ao Presidente da República: senhor Presidente, a continuar neste ritmo, com esta política desnecessária, o senhor Presidente não pode contar connosco.

Publicado no jornal i

domingo, 23 de março de 2014

Kubata morta e enterrada, ou o destino (inevitável?) dos estabelecimentos com alma!


Com ela morre também um pouco mais da Armação de Pêra aldeia piscatória e perspectiva-se a diminuição da oferta da suprema sofisticação da simplicidade gastronómica que a sardinha assada constitui, acrescida de um ambiente informal de que aquele espaço, na sua derradeira fase, gozava.

Aguarda-se a chegada de uma oferta esteriotipada, plástica, internacional que corresponda aos canones do "by the book" da indústria hoteleira que muito raramente domina a restauração e só daqui a muito, depois de a conseguir exterminar completamente e de descobrir que tal oferta pode constituir "inovação" conseguirá reproduzir uma tasca autentica necessariamente de patine plástica, desprovida do seu essencial: o tasqueiro, a simplicidade dos meios e dos metodos e a qualidade de um peixe que se recusa a passeiar fora de àgua por quilometros e quilometros, por gelos e ares refrigerados, para ganhar o estatuto de "fresco" numa qualquer etiqueta com código de barras que lhe assegurará o esteriotipo da qualidade que os não conhecedores, conheçem.

Paz à sua alma e glória aos resistentes!

sábado, 22 de março de 2014

Carta aberta de Henrique Neto a José Gomes Ferreira


Carta Aberta a José Gomes Ferreira

Caro José Gomes Ferreira
Confesso a minha surpresa pelo teor da sua carta “A Uma geração Errada”, na medida a que me habituei a posições suas muito reflectidas e geralmente ajustadas às circunstâncias. Neste caso, lamento dizer que seu texto é um mau serviço prestado aos portugueses que passam fome, além de profundamente injusto, porque reabre o conflito de gerações que o actual Governo tem promovido e que não esperava que o JGF subscrevesse.
O texto é injusto ao colocar os problemas do País no plano geracional  porque, como deve saber, foram as novas gerações que estiveram amplamente representadas nos diferentes governos que endividaram o País e são ainda as novas gerações que nos continuam a endividar no actual Governo. Contrariamente, são as velhas gerações, que durante  muitas dezenas de anos sustentaram a Segurança Social e o Estado Social, que estão agora a sofrer os cortes nos seus rendimentos levados a cabo pela geração do actual Primeiro Ministro.
Portanto, não subscrevo a sua tese e a do actual Governo, criadora de um conflito de gerações, que é um falso problema, mas já que a sua carta vai por aí não posso deixar de lhe chamar a atenção para a visão distorcida e de via única que a sua carta comporta. Até porque foram alguns dos mais velhos, nos quais me incluo, que protestaram por todos os meios, nomeadamente no seu programa, contra os erros, desmandos e autoritarismo dos governos, em particular dos governos de José Sócrates, quando a parte de leão do endividamento do Estado foi criada, como muito bem sabe. Por isso, pessoalmente, não posso aceitar as suas injustas considerações, até porque desde os governos de António Guterres que protesto contra a ausência de uma estratégia de crescimento económico e contra as chamadas políticas do betão criadoras de despesismo a favor dos sectores da construção e obras públicas, da especulação imobiliária, das telecomunicações, dos rendeiros da energia e da resultante corrupção para que o Pais foi conduzido. Aliás, as fortunas que resultaram do monstro da corrupção estão maioritariamente, como espero que saiba, nos bolsos de outras gerações que não da minha geração. Pessoalmente descontei para a Segurança Social durante 59 anos para ter uma reforma milionária de 4500 euros, sujeita, como todas as outras, a cortes indiscriminados.
O segundo erro, que não esperava de si devido às denúncias que tem feito como jornalista, reside em considerar que os subscritores do Manifesto, como os portugueses em geral, não têm o direito de procurar e debater novas soluções para Portugal, para além da vil tristeza e da miséria para que estamos passivamente a ser conduzidos como um rebanho sem ideias, sem alternativa e já sem coragem. E a favor de quê, pergunto-lhe?
Pela sua carta o objectivo parece ser o de não melindrar os nossos credores internacionais, não fazer ondas e aceitar o que eles decidirem sem mesmo questionar se a União Europeia pode ou deve ter uma política de sustentabilidade e de crescimento das economias dos diferentes países europeus. Nesse caso pergunto-lhe para que serve a democracia portuguesa e a democracia europeia se aos cidadãos europeus  é vedada a procura de soluções alternativas? Pergunto-lhe também quem definiu o timing e a pretensa inoportunidade do Manifesto? Porquê então, após três anos de sermos os bons alunos das políticas germânicas, o endividamento continua a crescer e o desemprego, a fuga dos jovens e o empobrecimento das famílias portuguesas não pára e a fome cresce um pouco por todo o Pais?  Tem o JGF alguma solução, para além de não fazermos nada?
Quanto a “deixar os jovens trabalhar” considero isso um insulto gratuito aos mais velhos que, com enormes dificuldades, lutam por manter os filhos e os netos à tona de água ou os ajudam a sobreviver através da emigração.
É fácil entretanto, haja Deus,  estar de acordo consigo quanto aos estádios, ou sobre os negócios ruinosos do Estado: Swapps, BPN, BPP, parcerias público privadas, energia cara e produtores a enriquecer, regulação inexistente, empresas públicas ruinosas e privatizações feitas a feitio com os consultores interessados do costume, com garantia de empregos bem pagos em administrações faz de conta de políticos de várias gerações, em que a sua está bem representada.  É para manter tudo isso que devemos continuar calados?
Pessoalmente, luto contra tudo isto há vinte anos e nunca pedi licença a ninguém para o fazer. Espero que compreenda que também não o faça agora devido ao Manifesto que, como cidadão livre, assinei e cuja iniciativa saúdo. Contra a demissão.
Com amizade
Henrique Neto

segunda-feira, 17 de março de 2014

NÃO QUERO MORRER…..NÃO, NÃO ESTOU VELHO!!!!!! NÃO SOU É SUFICIENTEMENTE NOVO PARA JÁ SABER TUDO!

Passaram 40 anos de um sonho chamado Abril.E lembro-me do texto de Jorge de Sena…. Não quero morrer sem ver a cor da liberdade.Passaram quatro décadas e de súbito os portugueses ficam a saber, em espanto, que são responsáveis de uma crise e que a têm que pagar…. civilizadamente, ordenadamente, no respeito das regras da democracia, com manifestações próprias das democracias e greves a que têm direito, mas demonstrando sempre o seu elevado espírito cívico, no sofrer e ….calar.Sou dos que acreditam na invenção desta crise. Um “directório” algures decidiu que as classes médias estavam a viver acima da média. E de repente verificou-se que todos os países estão a dever dinheiro uns aos outros…. a dívida soberana entrou no nosso vocabulário e invadiu o dia a dia.Serviu para despedir, cortar salários, regalias/direitos do chamado Estado Social e o valor do trabalho foi diminuído, embora um nosso ministro tenha dito, decerto por lapso, que “o trabalho liberta”, frase escrita no portão de entrada de Auschwitz. Parece que alguém anda à procura de uma solução que se espera não seja final.Os homens nascem com direito à felicidade e não apenas à extrita e restrita sobrevivência.Foi perante o espanto dos portugueses que os velhos ficaram com muito menos do seu contrato com o Estado que se comprometia devolver o investimento de uma vida de trabalho. Mas, daqui a 20 anos isto resolve-se.Agora, os velhos atónitos, repartem o dinheiro entre os medicamentos e a comida. E ainda tem que dar para ajudar os filhos e netos num exercício de gestão impossível. A Igreja e tantas instituições de solidariedade fazem diariamente o milagre da multiplicação dos pães.Morrem mais velhos em solidão, dão por eles pelo cheiro, os passes sociais impedem-nos de sair de casa, suicidam-se mais pessoas, mata-se mais dentro de casa, maridos, mulheres e filhos mancham-se de sangue, 5% dos sem abrigo têm cursos superiores, consta que há cursos superiores de geração expontânea, mas 81.000 licenciados estão desempregados. Milhares de alunos saem das universidades porque não têm como pagar as propinas, enquanto que muitos desistem de estudar para procurar trabalho. Há 200.000 novos emigrantes, e o filme “Gaiola Dourada” faz um milhão de espectadores. Há terras do interior, sem centro de saúde, sem correios e sem finanças, e os festivais de verão estão cheios com bilhetes de centenas de euros. Há carros topo de gama para sortear e auto-estradas desertas. Na televisão a gente vê gente a fazer sexo explícito e explicitamente a revelar histórias de vida que exaltam a buçalidade. Há 50.000 trabalhadores rurais que abandonaram os campos, mas há as grandes vitórias da venda de dívida pública a taxas muito mais altas do que outros países intervencionados. Há romances de ajustes de contas entre políticos e ex-políticos, mas tudo vai acabar em bem...estar para ambas as partes. Aumentam as mortes por problemas respiratórios consequência de carências alimentares e higiénicas, há enfermeiros a partir entre lágrimas para Inglaterra e Alemanha para ganharem muito mais do que 3 euros à hora, há o romance do senhor Hollande e o enredo do senhor Obama que tudo tem feito para que o SNS americano seja mesmo para todos os americanos. Também ele tem um sonho…Há a privatização de empresas portuguesas altamente lucrativas e outras que virão a ser lucrativas. Se são e podem vir a ser, porque é que se vendem?E há a saída à irlandesa quando eu preferia uma…à francesa.Há muita gente a opinar, alguns escondidos com o rabo de fora.E aprendemos neologismos como “inconseguimento” e “irrevogável” que quer dizer exactamente o contrário do que está escrito no dicionário.Mas há os penalties escalpelizados na TV em câmara lenta, muito lenta e muito discutidos, e muita conversa, muita conversa e nós, distraídos.E agora, já quase todos sabemos que existiu um pintor chamado Miró, nem que seja por via bancária. Surrealista…Mas há os meninos que têm que ir à escola nas férias para ter pequeno-almoço e almoço.E as mães que vão ao banco…. alimentar contra a fome, envergonhadamente, matar a fome dos seus meninos.É por estes meninos com a esperança de dias melhores prometidos para daqui a 20 anos, pelos velhos sem mais 20 anos de esperança de vida e pelos quarentões com a desconfiança de que não mudarão de vida, que eu não quero morrer sem ver a cor de uma nova liberdade.

Júlio Isidro