Carta Aberta a José Gomes Ferreira
Caro José Gomes Ferreira
Confesso a minha surpresa pelo teor da
sua carta “A Uma geração Errada”, na medida a que me habituei a posições suas
muito reflectidas e geralmente ajustadas às circunstâncias. Neste caso, lamento
dizer que seu texto é um mau serviço prestado aos portugueses que passam fome,
além de profundamente injusto, porque reabre o conflito de gerações que o
actual Governo tem promovido e que não esperava que o JGF subscrevesse.
O texto é injusto ao colocar os problemas
do País no plano geracional porque, como deve saber, foram as novas
gerações que estiveram amplamente representadas nos diferentes governos que
endividaram o País e são ainda as novas gerações que nos continuam a endividar
no actual Governo. Contrariamente, são as velhas gerações, que durante
muitas dezenas de anos sustentaram a Segurança Social e o Estado Social, que estão
agora a sofrer os cortes nos seus rendimentos levados a cabo pela geração do
actual Primeiro Ministro.
Portanto, não subscrevo a sua tese e a do
actual Governo, criadora de um conflito de gerações, que é um falso problema,
mas já que a sua carta vai por aí não posso deixar de lhe chamar a atenção para
a visão distorcida e de via única que a sua carta comporta. Até porque foram
alguns dos mais velhos, nos quais me incluo, que protestaram por todos os
meios, nomeadamente no seu programa, contra os erros, desmandos e autoritarismo
dos governos, em particular dos governos de José Sócrates, quando a parte de
leão do endividamento do Estado foi criada, como muito bem sabe. Por isso,
pessoalmente, não posso aceitar as suas injustas considerações, até porque desde
os governos de António Guterres que protesto contra a ausência de uma
estratégia de crescimento económico e contra as chamadas políticas do betão
criadoras de despesismo a favor dos sectores da construção e obras públicas, da
especulação imobiliária, das telecomunicações, dos rendeiros da energia e da
resultante corrupção para que o Pais foi conduzido. Aliás, as fortunas que
resultaram do monstro da corrupção estão maioritariamente, como espero que
saiba, nos bolsos de outras gerações que não da minha geração. Pessoalmente
descontei para a Segurança Social durante 59 anos para ter uma reforma
milionária de 4500 euros, sujeita, como todas as outras, a cortes
indiscriminados.
O segundo erro, que não esperava de si
devido às denúncias que tem feito como jornalista, reside em considerar que os
subscritores do Manifesto, como os portugueses em geral, não têm o direito de
procurar e debater novas soluções para Portugal, para além da vil tristeza e da
miséria para que estamos passivamente a ser conduzidos como um rebanho sem
ideias, sem alternativa e já sem coragem. E a favor de quê, pergunto-lhe?
Pela sua carta o objectivo parece ser o
de não melindrar os nossos credores internacionais, não fazer ondas e aceitar o
que eles decidirem sem mesmo questionar se a União Europeia pode ou deve ter
uma política de sustentabilidade e de crescimento das economias dos diferentes
países europeus. Nesse caso pergunto-lhe para que serve a democracia portuguesa
e a democracia europeia se aos cidadãos europeus é vedada a procura de
soluções alternativas? Pergunto-lhe também quem definiu o timing e a pretensa
inoportunidade do Manifesto? Porquê então, após três anos de sermos os bons
alunos das políticas germânicas, o endividamento continua a crescer e o
desemprego, a fuga dos jovens e o empobrecimento das famílias portuguesas não
pára e a fome cresce um pouco por todo o Pais? Tem o JGF alguma solução,
para além de não fazermos nada?
Quanto a “deixar os jovens trabalhar”
considero isso um insulto gratuito aos mais velhos que, com enormes
dificuldades, lutam por manter os filhos e os netos à tona de água ou os ajudam
a sobreviver através da emigração.
É fácil entretanto, haja Deus,
estar de acordo consigo quanto aos estádios, ou sobre os negócios ruinosos do
Estado: Swapps, BPN, BPP, parcerias público privadas, energia cara e produtores
a enriquecer, regulação inexistente, empresas públicas ruinosas e privatizações
feitas a feitio com os consultores interessados do costume, com garantia de
empregos bem pagos em administrações faz de conta de políticos de várias
gerações, em que a sua está bem representada. É para manter tudo isso que
devemos continuar calados?
Pessoalmente, luto contra tudo isto há
vinte anos e nunca pedi licença a ninguém para o fazer. Espero que compreenda
que também não o faça agora devido ao Manifesto que, como cidadão livre,
assinei e cuja iniciativa saúdo. Contra a demissão.
Com amizade
Henrique Neto
Pode informar sff onde foi, inicialmente, publicada esta carta aberta?
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