sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

CARTA ESCRITA NO ANO 2070


Ano 2070.

ACABO de completar 50 anos, mas a minha aparência é de alguém de 85.

Tenho sérios problemas renais porque bebo pouca água.
Creio que me resta pouco tempo.
Hoje sou uma das pessoas mais idosas nesta sociedade.

RECORDO quando tinha 5 anos...

Havia muitas árvores nos parques. As casas tinham bonitos jardins e eu podia desfrutar de um banho de chuveiro durante aproximadamente uma hora.
Tudo era muito diferente.
Agora usamos toalhas em azeite mineral para limpar a pele.

DANTES, todas as mulheres mostravam as suas formosas cabeleiras...

Dantes, meu pai lavava o carro com a água que jorrava da mangueira lá de casa.
Hoje os meninos não acreditam que utilizávamos a água dessa forma.
Agora, raspamos a cabeça para mantê-la limpa sem água!

RECORDO que havia muitos anúncios que diziam para CUIDAR DA ÁGUA, só que ninguém lhes dava atenção.

Pensávamos que a água jamais poderia terminar.
Agora, todos os rios, barragens, lagoas e mantos aquíferos estão irreversivelmente contaminados ou esgotados.

IMENSOS desertos constituem a paisagem que nos rodeia por todos os lados.

As infecções gastrointestinais, enfermidades da pele e das vias urinárias são as principais causas de morte.
A INDÚSTRIA está paralisada e o desemprego é dramático.

As fábricas dessalinizadoras são a principal fonte de emprego e pagam aos empregados com água potável em vez de salário.
Os assaltos - por um litro de água - são comuns nas ruas desertas.
A alimentação é 80% sintética.

DANTES, a quantidade de água indicada como ideal para se beber era oito copos por dia, por pessoa adulta.
Hoje só posso beber meio copo!

A ROUPA é descartável, o que aumenta enormemente a quantidade de lixo!
Tivemos que voltar a usar as fossas sépticas como no século passado porque a rede de esgotos já não funciona, por falta de água.

A APARÊNCIA da população é horrorosa: corpos desfalecidos, enrugados pela desidratação, cheios de chagas na pele por acção dos raios ultravioletas que já não têm a capa de ozono que os filtrava na atmosfera.
Com o ressecamento da pele, uma jovem de 20 anos parece ter 40!

Não se pode fabricar água, o oxigénio também está degradado por falta de árvores, o que também reduziu o coeficiente intelectual das novas gerações.

OS CIENTISTAS investigam, mas não se vislumbra solução possível!

ALTEROU-SE a morfologia das células sexuais de muitos indivíduos.
Como consequência, há muitas crianças com insuficiências, mutações e deformações.

O GOVERNO raciona e cobra-nos pelo ar que respiramos: 137 m3 por dia por habitante adulto!
Quem não pode pagar é retirado das "zonas ventiladas", que estão dotadas de gigantescos pulmões mecânicos que funcionam com energia solar.
O ar dessas zonas não é de boa qualidade, mas pode respirar-se!

ACTUALMENTE a idade média é de 35 anos!

NALGUNS países restam manchas de vegetação com o seu respectivo rio que é fortemente vigiado pelo exército.
A água tornou-se um tesouro muito cobiçado, mais do que o ouro ou os diamantes.
Aqui não há árvores porque quase nunca chove. E quando chega a ocorrer uma precipitação, é de chuva ácida.
As estações do ano foram severamente transformadas pelos ensaios atómicos e pela poluição das indústrias do século XX.

ADVERTIA-SE que era preciso cuidar do meio ambiente, mas ninguém fez caso!

Quando a minha filha me pede que lhe fale do tempo em que era jovem, descrevo o quão bonitos eram os bosques.
Falo da chuva e das flores, do agradável que era tomar banho e poder pescar nos rios e barragens, beber toda a água que quisesse.
O quanto nós éramos saudáveis!
Quando ela, invariavelmente, me pergunta:

- Pai! Porque acabou a água ?

Não consigo evitar que se me embargue a voz, nem deixar de me sentir culpado por pertencer à geração que acabou por aniquilar o meio ambiente, sem prestar atenção a tantos avisos e inúmeros sinais dos riscos que se corriam...

AGORA, os nossos filhos pagam um alto preço...

Sinceramente, creio que a vida na Terra já não será possível dentro de muito pouco tempo já que a destruição do meio ambiente chegou a um ponto irreversível!

Texto publicado na revista "Crónicas de los Tiempos“, de Abril de 2002.

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