domingo, 21 de abril de 2013

Estado e urgência



Sofia Galvão, in "Expresso" de 20.04.13

Impressiona-me o estado de negação em que coletivamente vivemos. Quando se gasta mais do que se tem, há défice. Quando pedimos dinheiro emprestado para acudir ao défice, há dívida. Quando se continua a gastar para lá do que se pode, o défice aumenta. Quando o défice não diminui, a dívida cresce. E, quando não se corrige o caminho, o ciclo torna-se infernal, alimenta-se a si próprio e destrói todo o potencial de desenvolvimento, realização e esperança.

Há quem não goste de factos. Mas enfrentá-los é condição de futuro. E o facto é que, hoje, em Portugal, os salários e as pensões pagos pelo Estado representam mais de 90% da coleta fiscal. Se acrescerem os juros da dívida, o montante vai além dos 105%. Os senhores e as senhoras que não gostam de factos consideram estes números sustentáveis? Percebem a medida em que tais números comprometem o futuro dos seus filhos e netos?

Podemos criticar a política interna e a Europa, podemos insurgir-nos contra a doutrina da austeridade ou contra a falta de visão que leva os países europeus a serem incapazes de superar clivagens e de construir, em conjunto, a sua única hipótese de viabilidade no mundo global. Como podemos ter dificuldade em aceitar a redução do mal europeu à sua dimensão financeira (quando o sabemos eminentemente político) ou em não nos indignarmos com um sistema que gasta milhões a salvar bancos, mas sufoca as classes médias com impostos e condena toda uma juventude ao desemprego e à ausência de horizontes.

Mas a crítica só é legítima se for informada e construtiva. Aqueles que não simpatizam com Angela Merkel e com a Europa alemã que se constrói sob a sua liderança não podem fundar aí a ideia de que, entre nós, o essencial está bem. Porque, com ou sem Angela Merkel, nós temos um problema financeiro seriíssimo; e, na sua base, um modelo de desenvolvimento equívoco, consubstanciado na ilusão coletiva que nos tem feito viver de forma totalmente desfasada dos meios disponíveis e da riqueza gerada.

Hoje, há perguntas incontornáveis: como e onde reduzir a despesa pública? Como manter o contrato social no quadro de um modelo europeu? Como quebrar o ciclo da dívida? Como superar entraves estruturais à mudança? Existe uma limitação constitucional ao processo de transformação?

É muito provável que as respostas sejam múltiplas. Discuti-las é crucial e a profundidade dessa discussão revelará o grau de maturidade da nossa opção democrática. Mas recusar o debate, negar-lhe o ponto de partida, continuar a cavar a ficção, é cada vez mais inaceitável. Sobretudo, porque é profundamente irresponsável.

Portugal gasta mal o que tem e vive muito acima do que pode. Insiste em comparar-se com os países mais ricos da UE (ou da OCDE) e defende o seu nível histórico de gastos por apelo a comparações com aqueles países. Os portugueses sentem-se ofendidos se alguém ousar comparar o comportamento da sua despesa pública ou o nível dos seus encargos sociais com países como a Polónia, a República Checa, a Hungria ou a Eslováquia.

Da discussão sobre o Estado, o seu perímetro e as suas funções depende o racional do nosso futuro. Por isso é tão importante consensualizar a prioridade do tema.

Como há muito resumiu Alice Rivlin, temos de saber o que o Estado deve fazer e pagar, o que o Estado deve pagar para não fazer e o que o Estado não deve fazer nem pagar.

A força das circunstâncias é, ao contrário do que pretendem os puristas, condição da consequência do exercício. Sem a pressão financeira e uma economia exangue a reclamar financiamento, tudo continuaria adiado.

Assim haja liderança forte, objetivos claros, total transparência e, não menos, capacidade de convocar politicamente.




Achámos útil transcrever este artigo porquanto, desapaixonado, faz uma síntese quase asséptica da situação orçamental do estado português e das suas condicionantes elementares e uma leitura fotográfica da vox populi àquele desafio.

Neste sentido pode contribuir para reduzir substancialmente o défice de objectividade que muitos portugueses terão sobre alguns instrumentos nucleares necessário a uma avaliação desapaixonada ao estado da nação, que são, citamos, os seguintes:

"E o facto é que, hoje, em Portugal, os salários e as pensões pagos pelo Estado representam mais de 90% da coleta fiscal. Se acrescerem os juros da dívida, o montante vai além dos 105%."

Ora, acrescentamos nós, um lugar comum: contra factos não há argumentos!

Já quanto à vox populi no que à critica da politica interna ou europeia diz respeito, se se compreende a ideia implícita  na mensagem “com o mal dos outros podemos nós bem”, que, em estado de crise constitui medida de segurança pessoal aconselhável, já não se pode aceitar tão pacificamente conciliar tal medida de segurança pessoal com o apostolado (que, aliás, subscrevemos para qualquer solução racional que se empreenda):

"Assim haja liderança forte, objetivos claros, total transparência e, não menos, capacidade de convocar politicamente."

O qual consubstancia tudo aquilo que não temos. E poderíamos ter (trata-se, tão só de inteligência), já que não depende do orçamento nacional ou europeu. E não podemos deixar de ter, se se quiser abordar a solução consistentemente e teremos de ter para sobreviver com dignidade enquanto Nação.

Ora, sem o referir a autora não deixa de conceder a Passos Coelho na sua ideia (poucochinha) de que nós "tugas", padecemos de pieguice.
Ideia esta com a qual, obviamente, não podemos alinhar.

É que a vox populi (afinal expressão da comunidade dos cidadãos) já deu provas bastantes de que, tal como o Criador (para alguns seu modelo) escreve direito por linhas tortas.

Na verdade, só a noção popular, imprecisa no seu conteúdo “cientifico”(?), mas rigorosa nas consequências práticas da sua percepção, no plano individual: vestigios claros de concessão ao vulgar designio de resignação e sofrimento,  no plano social e politico: total ausência de expectativas de representação efectiva, leal, responsável e prospectiva, pode justificar a paz social apesar das politicas agressivas mas errantes, manifestamente ineficazes, deste governo, que se limitam a gerir, mal, consequências, em constante ziguezague, sem intervir nas causas, a não ser para repeti-las.

Ainda por cima, acompanhadas, vezes bastantes da critica, execrável, aos comportamentos pessoais, como se fossem eles a causa da crise, em obediência a fundamentalismos de raiz luterana, que acentuam as suas consequências e em nada contribuem para esclarecer e combater as verdadeiras causas.

Em suma: grande parte daquilo de que não precisamos, por sempre termos tido em excesso!

Que capacidade de convocar revela tal prática, senão para o castigo?
E sem objectivos claros, nem acção transparente que consistência tem esta liderança cuja legitimidade é, hoje em dia, estritamente formal?

Afinal, quer tenha querido, quer não, o que a autora, identificando pressupostos correctos sugere, é que o mal veio para nosso bem e a obediência a quem manda é o caminho certo, sem esquecer o "Deus queira" que quem manda saiba o que faz.

É curto, superficial, insuficientemente racional, desconstrutivo, apocaliptico e nada prático como aliás até parece ser a principal motivação da autora no resultado do seu trabalho.

Criticar a vox populi com argumentos que reunem pressupostos de racionalidade e incoerência nas suas ilações, afinal é de vox populi que se trata.





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