terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Opiniões de um comentador, sexagenário respeitável: Vasco Pulido Valente

Extratos de uma Entrevista a Vasco Pulido Valente ocorrida em 2007 ao Diário Económico

O que é uma opinião construtiva?
Nunca penso nos efeitos que vão ter as minhas colunas. Penso se gosto delas, ou não. Muitas vezes sucede não gostar de uma coluna e muita gente gostar, e vice-versa. Procuro fazer uma coluna que ache boa. Nunca me preocupei com mais nada.
Para uma coluna ser boa tem de correr riscos, não se preocupar em falhar, agradar…

Nunca tive esse problema. Nunca quis «agradar». A minha opinião raramente coincide com a opinião do público. Isso significa que não se deixa contagiar pela corrente?
Significa que não sei fazer de outra maneira. Não sou capaz de imaginar o que é que o leitor quer que eu escreva.

A opinião em Portugal é relevante?
É muito importante.

Porquê?
Porque a opinião «materializa» em palavras o que as pessoas sentem. A opinião consegue determinar e organizar os sentimentos vagos das pessoas.

O que é que vale a pena ler e ouvir em Portugal?
Leio tudo. Levanto-me cedo e gosto de ler os jornais. Um dos grandes prazeres da minha vida é o pequeno-almoço. Beber chá e ler os jornais. Tudo é significativo, o que gosto e o que não gosto, o que é inteligente e o que não é. O mais útil é o que põe problemas, que levanta questões. Não é o que deixa «cair» a sabedoria sobre o leitor.

Há nomes de referência?
Não vou dizer. O que me interessa nas colunas são os problemas que põem, se vale a pena discuti-las, «acrescentam» alguma coisa. Interessam menos os nomes. Pode ser um artigo do José Manuel Fernandes ou da Constança Cunha e Sá, do Pacheco Pereira ou do Miguel Sousa Tavares. Mesmo artigos ou entrevistas sobre economia: do João Salgueiro, do Vítor Bento ou do Francisco Sarsfield Cabral. Disse estes nomes e podia dizer mais dez.

O país reflecte-se no espelho diário da comunicação social? Ou há surpresas? Há um país que não passa, que nos surpreende?
A imprensa portuguesa, de uma maneira geral, dá uma imagem relativamente fiel do país. Mas não a comenta, nem tira as conclusões que deve. Frequentemente, alguma imprensa faz serviços ao poder político, tentando desviar a atenção de certas coisas. Isso preocupa-me.

A opinião pública tem peso?
O que pensam as pessoas na rua depende, em parte, dos jornais. Cada vez menos, como se sabe. Depende também da televisão, mas aí o debate foi suprimido.

Há quem diga que a sua marca de água enquanto colunista é dizer mal. É incapaz de dizer bem?
Sou agora incapaz de dizer bem!

Mas tem a consciência de que boa parte das suas colunas são muito reprovadoras…
São.

Sente algum estímulo para dizer bem?
Sinto. E muitas vezes escrevo.

Que feed-back tem das suas colunas?
Tenho pouco. Recebo cartas; mails não porque quero manter a privacidade. O contacto dos leitores com o colunista é mau para o colunista. Começa inconscientemente a ser influenciado pelos leitores.

Há que manter a distância…
Não só em relação aos leitores, mas a todos os poderes políticos e sociais. Muitos políticos de quem era amigo zangaram-se quando descobriram que não fazia um «desconto». Houve outros que não, nomeadamente Mário Soares e Marques Mendes. Há muita gente que deixou de me falar, que se afastou… Não perceberam. O primeiro foi Balsemão. Não perceberam que o que escrevia sobre eles enquanto políticos não tinha nada a ver com eles enquanto pessoas.

Não há poder de encaixe para as críticas?
As pessoas não estão habituadas à crítica. Esperam elogios: e tantos mais quanto mais alta é a sua vaidade e mais alto subiram. A intolerância à crítica cresce com a importância a que as pessoas se dão ou têm realmente. Não percebem que a função de um crítico é criticar. Se me disserem que escrevi um livro péssimo, isso não é um juízo sobre mim, mas sobre o livro.

Não é fácil fazer a separação. Ao dizer-se que escreveu um livro mau, isso não é difícil de aceitar, sobretudo se nos parecer injusto?
A mim não. Fiz o que podia, mas se calhar não chegou.

Uma vez li a seu respeito, julgo que da parte de um seu admirador, que o que Vasco Pulido Valente tem de imensamente positivo é não ter pinga de marxismo no seu intelecto; o que tem de negativo é que não é evidente que goste de ser português. É verdade?
Fui poupado por razões de educação, de história e de acaso aos grandes sistemas de fé da minha geração. Fui criado como ateu e nunca tive a experiência de perder a fé porque nunca tive fé. Nasci numa família revolucionária, que deixou de ser revolucionária antes de eu chegar à idade adulta. Não tive fé na revolução e também não perdi a fé na revolução. Não passei pela experiência de quase todos os meus contemporâneos, que perderam a fé em deus e na revolução. Fui sempre uma pessoa sem fé. Não tenho pinga de marxismo nem de catolicismo. As duas coisas estão ligadas. Muita gente começou pelo catolicismo e mudou para o marxismo e vice-versa. Sou um ateu. Agnóstico é uma palavra que hoje não quer dizer nada.

E sobre o gostar, ou não, de ser português?
Isso é ridículo. É claro que gosto de ser português. Se não gostasse, ao fim de tantos anos, tinha arranjado maneira de me ir embora. Gosto de viver em Portugal. Sou português até ao tutano. Caso contrário não teria a menor paciência para escrever sobre Portugal. Como passei a minha vida a fazer, principalmente como historiador.

José Saramago diz que, mais tarde ou mais cedo, Portugal se integrará na Ibéria…
Não me admira nada. Deve o prémio Nobel à Espanha. Não me impressiona que Portugal possa fazer parte de uma outra Ibéria daqui a uns anos. O problema é que os espanhóis não nos querem. A questão é ao contrário. Nós até poderemos querer, mas a Espanha não quer. Já fiz a experiência de dizer provocatoriamente a espanhóis que sou iberista. Eles riem-se e dizem que nós só gostamos do dinheiro deles. A Espanha não tem razão nenhuma para absorver Portugal. São coisas da insensatez política de José Saramago.

Politicamente como é que se define? O facto se não ter fé não significa que não tenha convicções.
Uma convicção não é uma etiqueta. O meu objectivo é conjugar o máximo de liberdade com o igualitarismo indispensável. Não sou um liberal ortodoxo. O ideal é criar um máximo de liberdade sem prescindir de certas funções sociais do Estado, nomeadamente a saúde e a segurança social. Não sou partidário do Estado Providência, que se intromete em tudo e domina tudo. Nem de um Estado liberal que não garanta o suporte social que as pessoas precisam na saúde e na segurança social. A saúde tornou-se tão cara e sofisticada que não pode ser deixada às seguradoras ou à poupança do cidadão comum, o mesmo se diga da segurança social. Uma sociedade civilizada não pode deixar morrer alguém que não tem dinheiro para fazer uma operação. Os velhos não podem ser abandonados.
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Os portugueses valorizam suficientemente a liberdade?
Claro que não. Caso contrário, não seria pensável denunciar pessoas. Isto vem de muito longe. Nunca fomos uma sociedade liberal e o funcionalismo público nunca foi neutro.
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Que fazer da democracia representativa?
Não sou apocalíptico. O mundo está para acabar desde que começou! As democracias têm fases melhores e piores. E nós temos 30 anos de democracia. Não estou pessimista.

E o papel da imprensa?
Não há hoje em Portugal um grande jornal de referência, como foi o Diário de Notícias. Não há um jornal que determine a opinião e influencie o governo. O único que há é o Público e não é muito forte. E talvez o Diário Económico… Devia haver grandes jornais de referência. A televisão não tem a possibilidade analítica da imprensa. Fazem muita falta contra-poderes na sociedade, contributos de racionalidade, limites ao oportunismo dos governos. A polémica sobre a OTA, por exemplo, foi saudável, apesar de não ter sido muito clara.
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Quais são os seus grandes prazeres?
O maior prazer é ler. É a possibilidade de ao fim de três páginas estar em Roma ou nos problemas da Madame Bovary… É uma forma de sair do mundo.

Auto-retrato:
Auto-retrato? Está a pensar na frase do Sinatra: «Frank Sinatra, barítono.» Digo o mesmo: Vasco Pulido Valente, historiador e jornalista. Gostava que fosse tão boa como a do Sinatra, mas não é! Eu infelizmente também não sou o Sinatra.

Perfil
Tem 66 anos. O seu avô materno foi um revolucionário do 5 de Outubro e membro do Partido Democrático de Afonso Costa. Era jacobino e ateu. Os filhos também e os netos não escaparam. Só que os pais de Vasco Correia Guedes – o seu verdadeiro nome, mas que o próprio trata por pseudónimo – deixaram de ser revolucionários antes do filho se tornar adulto. Nem teve fé na revolução nem a perdeu. Vasco orgulha-se de ter sido sempre um homem sem fé. O que não quer dizer que não tenha convicções. Mais social-democrata, oscilou entre a direita e a esquerda, entre Sá Carneiro e Mário Soares. Na síntese de hoje, procura conjugar «um máximo de liberdade com o igualitarismo indispensável». É talvez o mais lido e temido colunista português. Tem uma escrita assertiva, tantas vezes cortante. Foi jornalista em O Independente e secretário de Estado da Cultura de Sá Carneiro. Licenciou-se em Filosofia pela Faculdade de Letras de Lisboa e doutorou-se em História pela Universidade de Oxford. É investigador-coordenador do Instituto de Ciências Sociais e autor de vários ensaios «O Poder e o Povo», «Os Devoristas», «Os Militares e a Política», «Glória», «Um Herói Português – Henrique Paiva Couceiro»… Vasco Pulido Valente gosta de dizer que a vida é como um funil que se vai estreitando de possibilidades. Por enquanto, não lhe faltam verbo e lucidez, mesmo que as suas opiniões raramente coincidam com as do público. Ou talvez por isso.

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