A condição de cidadão atribui ao indivíduo todo um conjunto de direitos e deveres sociais, económicos e políticos próprios de um Estado livre. O cidadão tem, por exemplo, direito ao emprego, ao benefício da repartição do rendimento, ao usufruto das mesmas oportunidades qualquer que seja a sua localização territorial.
Esta é uma constatação aparentemente fácil de admitir, tanto mais quando, na vertente da política económica, se faz a defesa do modelo de gestão de procura agregada keynesiano, em si mesmo uma expressão desses direitos/deveres, através da primazia imediata que é atribuída ao emprego e correspondente, prévia e obrigatória, captação de receita pública.
Os direitos de cidadania económica pressupõem, aliás, o cumprimento dos deveres de contribuição pública, com a sua expressão mais visível, diria, na colecta. Estes últimos, deveres de cidadania, são globalmente perceptíveis na postura do Homem perante o trabalho, a fiscalidade ou a redistribuição. A eles me reporto, perguntando-me se devem, ou não, ser igualmente exigidos.
Se colocarmos o enfoque no âmbito das forças sociais estruturantes da acção individual, seja das forças sociais profundas de Durkheim, seja das relações sociais inevitáveis de Marx, a resposta será tendencialmente um Não. Com efeito, as dinâmicas dos sistemas, designadamente capitalistas, determinam formas de exclusão acentuadas, gaps significativos entre níveis de formação, graves falhas no acesso a uma informação já de si qualitativa e gravemente pobre, etc, etc, etc. Ora, porque estas disfuncionalidades tornam indivíduos iguais em cidadãos diferentes, les uns et les autres, formando-se pseudo-elites macro-decisoras (macro-manipuladoras?), não se encontraria justiça numa exigência igual para o exercício daqueles deveres de cidadania. Assim me dizem.
Entendo contudo que quer esteja melhor ou pior (in)formado, mais ou menos embrutecido por horas de futebol, touradas e circo, mais ou menos sujeito a injustiças ou manipulação, o indivíduo é sempre capaz de reconhecer o risco de lhe faltar o sustento, tanto mais quando se trate de um cenário de crise generalizada.
Assim, quando opta por recusar os mecanismos possíveis de redução desse risco, remetendo esse encargo para uns quaisquer outros, talvez até com todo um sentido de justiça, está, consciente e voluntariamente a declinar a sua condição de cidadão. Fá-lo com graves riscos para si próprio. Mas fá-lo de forma consciente.
Penso em particular no encerramento de fábricas e nas diferentes reacções das classes trabalhadoras às necessidades de redução de salários, de alteração de horários ou de reajustamento de férias. Mas penso também no espectáculo vernacular em muitas vezes se transformam legítimas manifestações cívicas de contestação, inutilizando-as; ou ainda na promiscuidade evidente entre cargos públicos, comunicacionais e empresariais. Penso no jardineiro-deputado, no político-advogado, no empresário-ministro, etc, etc, etc. Enfim, penso nos diferentíssimos modos de acção e simultaneidade de acção do indivíduo enquanto Homem-económico (trabalhador or conta d'outrém/empresário/capitalista), Homem-social (pessoa/família/comunidade) ou Homem-político (eleitor/eleito/sociedade civil).
Nesta babel, na ausência de um outro sistema económico que interiorize o lucro enquanto um meio ao invés de um fim, e reconhecidas que são as disfuncionalidades do modelo capitalista, os deveres se cidadania devem continuar a exigir-se iguais para todos. Poderemos fazê-lo na salvaguarda da própria sobrevivência. Mas deveremos fazê-lo, sobretudo, no respeito que devemos a cada ser individual. Não espero menos de um jardineiro do que espero de um doutor. Aliás, no que toca a cidadania, hoje em dia, muitos exemplos haveria, até, no sentido contrário.
Serei iletrada, excluída ou mal-informada... mas sei ser cidadã!
Maria Luísa Vasconcelos, Professora da Universidade Fernando Pessoa, in:http://aeiou.expresso.pt/sei-ser-cidada-sei-ser-cidada=f525325#commentbox
Mas que colecção de disparates!
ResponderEliminarE é professora?
Ao que chegou o ensino neste país...