domingo, 24 de junho de 2007

A Despesa em telhado de zinco quente…

Noutro dia, um comentador deste blog aludia abrasivamente a um post de nossa responsabilidade, desafiando-nos a tomar posição sobre a despesa do Estado, que é como dizer da despesa do Estado propriamente dito e das Autarquias.

Sempre decorreu – em nosso entender-, quer expressa quer tacitamente, das nossas intervenções que não nos postámos aqui para servir qualquer clientela ou ambição pessoal, mas tão só visando participar na coisa pública, através deste meio que as novas tecnologias permitiram a custos módicos.

Não nos limita, por conseguinte, qualquer compromisso táctico com quaisquer instâncias do poder, dos seus corredores, das suas dinâmicas ou carreiras.
Nem nos tolhe a acção qualquer amortecedor ideológico, cadeia de ideias ou espartilho do costume, tradição, credo, soberano ou obediência.
Agimos no pleno exercício do livre direito de pensar e dizer, que assiste a qualquer um que, existindo, seja capaz de se exprimir e comunicar.

Fazemo-lo por dever de cidadania contribuindo para a profusão, através da participação, de uma consciência critica que edifique uma sociedade civil activa e militante que se governe e se saiba governar, por si e no seio das nações, em confluência com um sistema de desenvolvimento diverso e sustentável, em coerência com os desígnios naturais da coexistência planetária.

Não somos assim criatura de quem quer que seja, senão de nós próprios!

Agora, a propósito da despesa, a qual, quanto a nós, tem sido um dos grandes males dos nossos pecados, entendidos estes enquanto as diversas vicissitudes do percurso democrático da nossa II República.

A restauração das liberdades fundamentais, determinou uma gestão politicamente democrática, assente em princípios universalmente aceites, a qual curou de satisfazer as necessidades politicas e civis da sociedade, cerceadas pelo regime autocrático que enterrou.

Porém esqueceu, durante tempo demais, que as alterações politicas e sociais, em si e por si, não comportavam soluções de modernização económica da sociedade rural que o Dr. Salazar recebeu e fez perpetuar.

E a economia rural do país do Dr. Salazar não evoluiu para além disso mesmo, nem por obra e graça do Divino Espírito Santo, como era meredianamente previsível.

Mais, as alterações sociais e politicas justamente empreendidas, sem alterações estruturais no Estado e na nossa sociedade com vista à sua adaptação aos novos desafios e necessidades dos Portugueses, que promovessem e estimulassem a economia (em metamorfose de uma Idade pouco mais que Média para a modernidade, para onde corríamos desalmada e justificadamente) que gerasse uma riqueza suficiente para suportar o custo das novas necessidades por um lado e por outro, a irresponsabilidade politica da satisfação das mesmas para além da medida que os meios permitiam, determinariam, mais cedo ou mais tarde, uma falência anunciada.

A ausência da consciência deste facto é o mais elegante, mas também deprimente epíteto que as gerações actuais poderão apontar às elites que têm gerido este pais desde então para cá.

Hoje, diz a OCDE que Portugal é dos países que não tem possibilidades de consolidar as finanças públicas pelo lado da despesa, por virtude da rigidez da despesa pública primária, largamente ocupada pelos custos salariais da função pública e pelos custos sociais.

Só para exemplificar, o investimento público foi fortemente cortado em 2006 e para 2007 prevê-se o corte de cerca de 15% a adicionar ao corte de 2006.
A não acontecer este corte, ele seria responsável por si só por um crescimento do PIB de 1%.
Por outro lado, e apesar das carreiras da função pública estarem congeladas e da redução líquida de cerca de 10 000 funcionários em 2007, os salários cresceram de 30% da despesa primária em 2006, para cerca de 35% em 2007.

Quanto às prestações sociais, apesar do orçamento da saúde ter gasto menos 300 milhões de euros (pela primeira vez desde Abril), as prestações sociais passaram de 31% em 2006 para 35% em 2007.

Isto quer dizer que estas duas rubricas são responsáveis por 70% da despesa!

Se juntarmos as despesas de investimento e as despesas financeiras para suportar o serviço da dívida, teremos os 100%.



Quando a OCDE diz que a despesa é rígida, refere-se claramente às dificuldades politicas excessivas em diminuir o emprego na função pública.

Ao não reduzir pessoal, o Estado não só tem que pagar os salários e as prestações sociais mas também despesas de funcionamento que dependem directamente do número de funcionários, tais como o consumo de energia, água, rendas e instalações, frota automóvel, etc, as quais não podem ser reduzidas enquanto não se reduzir o número de pessoas, já que aquelas despesas estão intimamente relacionadas e aumentam automáticamente em decorrência da inflação.

Esta questão transversal na sociedade portuguesa é resultado das reminiscências da política salazarista de colocar o Estado a suprir o défice de emprego que a nossa economia era incapaz de gerar.

Na verdade, as elites económicas deste país, sempre muito mais sensibilizadas para conservar a sua riqueza, aumentando o seu volume à custa da pobreza dos seus concidadãos, do que a criar riqueza, nunca foi grande amiga do risco empresarial e do crescimento económico.
O Estado foi prosseguindo na resposta a este desígnio, ocupando os desocupados e mais tarde, em democracia, para além daqueles, ocupou os correlegionários, reocupou os amigos. Enfim, converteu o emprego no Estado em moeda de troca, em meio de pagamento.

Ora, sendo certo que as elites económicas, grosso modo, continuam a dar um bom exemplo da sua natureza ancestral, proliferando a riqueza gerada pela especulação financeira e imobiliária, insuficientes continuam a ser –patentemente- os exemplos de investimento criador de riqueza, como exuberantemente os dados demonstram, (facto reconhecido expressamente pelo Engº Sócrates, quando referiu que, sem o Estado não iriamos lá), não sendo menos certo que, até por isso, o Estado tem de prosseguir decididamente a sua imposta vocação de investidor.

Só que para isso não pode estar amarrado a tantos compromissos com o emprego e muito menos malbaratar recursos. Não pode manter-se refém da despesa!

Esta realidade que ameaça dividir os portugueses porquanto, segundo um autorizado observador, dependem directa e indirectamente do Estado cerca de 4,5 milhões de portugueses, é ainda mais preocupante porque, pela sua dimensão, coage a classe politica, fazendo-a permanecer entre dois amores.


Por um lado, a pressão das contas e a necessidade de desenvolvimento obrigá-la-iam a gerir o País com competência, rigor e determinação no afrontamento aos pesos excessivos, por outro, necessitando de clientela eleitoral, inibem-se habitualmente de afrontamentos que impeçam a sempre almejada reeleição.

E assim temos vindo a viver, cíclica e pendularmente, até ver, como diria o cego!

Sem termos a pretensão de esgotar o tema com este post, a ele voltaremos, necessariamente, pela sua natureza incontornável.

Não queremos concluir, sem porém aclarar, que não nos move qualquer “perseguição” aos funcionários públicos, numa qualquer contenda trabalhadores do sector público/trabalhadores do sector privado.

Não podemos no entanto deixar de acrescentar que as circunstâncias, eventualmente caracterizáveis como de “responsabilidade do Estado”, relativas ao emprego no Estado salazarista, pareciam assentar, nos casos a que coubessem tais epítetos, numa lógica de caridade. Na verdade, em igualdade de funções, ganhava-se melhor no mercado de emprego privado que no público, para além de aquele já beneficiar de outras prestações sociais que este, só mais tarde, já em democracia, veio a ser destinatário. Como contrapartida a segurança do emprego sempre foi inquestionável neste e disponível naquele.

Com o decurso do tempo, as conquistas dos trabalhadores do Estado alcançaram aquilo que de melhor havia nos mercados de emprego público e privado. Assim, hoje, o cenário é diverso. Os funcionários públicos ganham, em geral mais do que os empregados por conta de outrem no sector privado, trabalham menos horas e conservam uma estabilidade no emprego de antigamente.

Dizem uns, que o ideal seria tais privilégios serem estendidos a todos. Dizem outros, que não existe razão alguma para uns estarem sujeitos aos desígnios do mercado, em qualquer conjuntura e outros protegidos dos mesmos, no mesmo país e por acção do próprio Estado, a quem incumbe promover a igualdade e a equidade.

Não é uma questão pacífica e temos a noção de que irá fazer correr muita tinta nos jornais!
Por nós, por aqui, continuaremos a batermo-nos por uma administração justa, eficiente e competente que se torne menos custosa, para o Estado e para o Cidadão quer como utente quer como contribuinte.

Até lá, continuaremos militantes da resistência cívica pela participação!

4 comentários:

  1. O seu post é uma declaração de guerra contra os funcionários públicos, que não tem culpa nenhuma no meio deste processo.

    ResponderEliminar
  2. Bom post J.J.J.. Vê-se que não quer candidatar-se a nada, caso contrário não podia imcompatibilizar-se com o eleitorado que é quase todo dependente do estado.
    Por isso os politicos não podem falar verdade.
    Eu só dependo de mim próprio estou farto de pagar impostos e nunca em trinta anos precisei nada o estado. Se perder os meus clientes do meu negócio perco tudo e nem desemprego tenho direito.

    ResponderEliminar
  3. Caro anónimo nos dias de hoje temos que ter consciência da envolvente e que o país e o mundo não pararam no século passado.

    Hoje as organizações devem ter estruturas mais achatadas, devem trabalhar em rede e em equipa, temos que ter consciência que a mudança acontece todos os dias por isso necessitamos de ser mais flexiveis.

    Temos de nos adptar rápidamente tornado-nos mais competitivos. Ao conseguirmos uma posição de vatangem o passo seguinte não é defende-la construindo tricheiras, isso é errado porque o campo competitivo está sempre a mudar.

    Os funcionários públicos não devem fazer parte do problema mas ser parte da solução.

    ResponderEliminar
  4. Um verdadeiro puzzle!
    Por um lado o peso da tradição.
    Por outro a necessidade do corte com a tradição.
    Por outro ainda a sobrevivência.
    Pendendo para o lado de uma administração pública reduzida no peso salarial como inevitável, a resistência à conservação dos previlégios é tentacular e poderosa.
    Quem vai ganhar? Melhor, quando vai ganhar a única solução possivel?

    ResponderEliminar