domingo, 1 de março de 2020

A fábula do Sapo e o Escorpião ou a génese de uma nova aberração em Armação de Pera?

Era uma vez um sapo e um escorpião que estavam parados à margem de um rio.
Você me carrega nas costas para eu poder atravessar o rio? - Perguntou o escorpião ao sapo.
De jeito nenhum. Você é a mais traiçoeira das criaturas. Se eu te ajudar, você me mata em vez de me agradecer.
Mas, se eu te picar com meu veneno - respondeu o escorpião com uma voz terna e doce -, morro também. Me dê uma carona. Prometo ser bom, meu amigo sapo.
O sapo concordou.
Durante a travessia do rio, porém, o sapo sentiu a picada mortal do escorpião.
Por que você fez isso, escorpião? Agora nós dois morreremos afogados! - disse o sapo.

E o escorpião simplesmente respondeu:
Porque esta é a minha natureza, meu amigo sapo. E eu não posso mudá-la

HeloisaPrieto. (O livro dos medos)



Armação de Pêra, originalmente uma aldeia de pescadores, foi progressivamente, com o advento do turismo, por um lado, descaracterizando---se face à vocação original, por outro, apresentando nova identidade.
Na verdade, o turismo sendo a principal actividade económica da Vila, foi, por via da grande procura e da, também, cada vez mais massificada oferta, o principal modulador, para o melhor (economia local) e para o pior (edificação de verdadeiras aberrações urbanísticas e estéticas) desta “nova” localidade.
Do advento do turismo, doméstico, de uma forma inicialmente tímida no início do sec. XX, que evoluiu, algumas décadas depois, com o pós-guerra e à boleia dos ventos da Europa em Paz (anos 50), para uma declarada vocação económica oficial visando aproveitar a procura dos viajantes europeus, ficaram “deixas” patrimoniais em imobiliário, que constituem verdadeiros exlibris da Vila, únicos, à medida da terra e da sua história, deslumbrantes.
Justamente considerados de INTERESSE MUNICIPAL, são eles o Chalet da família Caldas e Vasconcelos e o edifício do CASINO.

Enquanto o CASINO continua abandonado, depois de ter circulado, à boca pequena, pela população a ideia de ser intenção da Câmara “adjudicá-lo” por forma não identificada à dita VilaVita, o que é facto é que tal não veio a suceder, mantendo-se o edifício à disposição do acaso, já que não é patente qualquer proteção especial ao imóvel, que continua a degradar-se a olhos vistos, o Chalet da família Caldas e Vasconcelos, depois dos seus proprietários muito suarem para o vender, acabou por ser adquirido pela dita VilaVita, através de uma qualquer sociedade daquele universo empresarial.

Face à estrutural passividade (ou apenas incapacidade económica) da iniciativa privada empresarial local e também nacional no que a Armação de Pêra diz respeito, a aquisição do Chalet por parte de um grupo empresarial, com peso e expressão local, causou, numa primeira abordagem, natural satisfação.


Por um lado adivinhava-se uma intervenção séria na reabilitação do imóvelcom décadas de hibernação, o que veio rapidamente a verificar-se, permitindo ganhos patrimoniais óbvios, atento o facto de, enquanto imóvel protegido - declarado de interesse municipal -, não ser possível adulterá-lo ou descaracterizá-lo, pensava-se então.

Por outro, sendo a vocação económica da Vila o turismo, a antevisão do aumento da oferta hoteleira, a qual é patentemente reduzida, animou os observadores, amigos de Armação, desde logo pela criação de postos de trabalho, depois pela atração de turistas de segmentos de mercadoclaramente insignificantes neste mercado.



Eis senão quando, constatamos que, qual ferroada do escorpião no Sapo da fábula, que a pequena aberração que se encontrava no terreno do Chalet, uma casota de apoio, erigida nos anos oitenta, de duvidosa legalidade e que não integrando obviamente o projeto original deveria ter tido como destino inevitável a demolição, veio a ganhar foros de um segundo imóvel, de dimensão desmesurada, desajustada e desproporcionada face ao corpo principal e à area do lote.

Não temos, por princípio, nada a opôr, bem pelo contrário, à iniciativa privada. Consideramos mesmo que muitas das limitações da nossa economia resultam do facto de não existirem empresas nacionais de dimensão internacional, cuja capacidade de investimento pudesse influir decisivamente no nosso crescimento/sustentabilidade económica.

Daí que consideramos também que a iniciativa privada possa e deva desenvolver-se à vontade nesta economia de mercado.

Porém, como diz o povo, à vontade, não é à vontadinha!

Existem regras inultrapassáveis! As do património classificado de relevante interesse, quer municipal, quer regional, quer nacional, são exemplo disso, pois a propriedade desse património, socializou-se, transferiu-se da esfera privada para a social por via do seu mérito e características inculcadas na memória colectiva que se deve perpectuar.

Neste caso, a iniciativa da empresa adquirente do Chalet, se se apresentou prestes a prestar um beneficio de caracter patrimonial à Vila reabilitando o imóvel principal, logo, logo, deu-lhe a ferroada fatal, implantando desadequadamente um segundo imóvel, cuja natureza incaraterística vai reduzir o belo edifício, exlibris de Armação, a um conjunto menor. Uma verdadeira pichagem selvagem num quadro de autor.

Decisões destas caracterizam a natureza de escorpião da fábula de muitos dos investidores que, aparentando agir em nome do bem (para si e também para todos), na primeira oportunidade revelam prosseguir tão só o bom (por si e para si).

Entretanto, a Câmara Municipal de Silves guarda de Conrado o prudente silêncio.

Nada de novo na progressão da degradação do pouco património desta Vila, qualquer que seja a cor da sua gestão municipal, quaisquer que sejam as respetivas motivações.

O povo da Vila, qual Sapo da fábula, assiste incrédulo a mais uma ferroada de morte do Escorpião, no seu património.

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