sexta-feira, 21 de julho de 2017

Ainda a "porra" da racionalidade na utilização dos recursos!

Proibido lavar carros e encher piscinas devido a seca do Alentejo

In: Observador de 20.07.2017

As fontes decorativas serão encerradas. As regas nos jardins também deverão ser reduzidas. São algumas das medidas aprovadas para reduzir os efeitos da seca que regista os piores níveis desde 1995.


Com a aprovação desta quarta-feira do Plano de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca, 15 localidades do Alentejo vão ser obrigadas a restringir o consumo urbano de água, noticia o DN.

Não vai faltar água nas torneiras. Não há restrições para o consumo humano. Aliás estão definidas as prioridades: primeiro os humanos, depois animais, regas agrícolas e piscinas, lavagens etc”, disse João Matos Fernandes, ministro do Ambiente ao DN.

O governante alertou para o facto de a situação de seca, com os piores níveis desde 1995, ser “cada dia mais preocupante, principalmente na bacia do Sado”. João Matos Fernandes garantiu também ter soluções para o problema. O ministro revelou que foi feito um investimento de 510 milhões de euro na pré-reserva de camiões cisterna e estão a ser feitos furos em Odemira, Arraiolos, Avis, Borba, Alandroal e Mértola.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

A real gana vence a racionalidada mais vezes que aquelas que devia, para mal dos nossos pecados(despesa pública)!


O HOMEM, O SHOWBUSINESS E O ANIMAL

Ainda sobre a "maldita" racionalidade aquela que é habitualmente arquiinimiga da real gana - aquela outra que é a responsável por fazermos o que queremos, porque sim ou apenas porque não, sem necessidade de prestar contas a quem quer que seja, sobre o que quer que seja (dando curso pleno ao animal que há em nós)- vivem em permanente conflito, "não se podendo ver uma à outra"- como o Ray Charles e o Stevie Wonder"diria um humorista-.

Nada de novo a estibordo, dirão os mais eruditos!

Sucede é que, quando, naquele conflito, alguém que o perfilha, adopta e trata da sua vida tomando a parte da real gana nessa dualidade: racionalidade versus real gana, as consequências dessa opção estratégica, podendo sempre prejudicar alguns terceiros mais incautos, prejudica, sempre e em primeiro lugar o próprio, pois começando por obrigá-lo a colocar mal os problemas com que se depara, dificilmente ou nunca lhe permitirá obter uma resposta certa.

Tal como dantes, até aqui tudo bem, dirão, uma vez mais os eruditos!

Sucede porém que, as más consequências de dar curso à real gana em prejuízo da racionalidade, multiplicam-se com o número dos problemas, ou a complexidade e, ou, sofisticação dos mesmos, e não só, mas também com a categoria dos agentes da acção.

Esquecendo outras situações em que o principio se verifica invariavelmente, importa, ao que aqui interessa,o efeitos destas concessões à real gana, em espécimes que, por natureza das suas funções, lidam e gerem problemas de outrém, destinatários passivos (como as populações), com meios oriundos das contribuições da generalidade dos cidadãos-contribuintes (o erário público).

Nestes casos, na ausência de um "medidor" da racionalidade ou da real gana por que pautam a sua conduta pública através da gestão dos meios que lhes foram distribuídos para administrar, restam-nos os meios comuns: uma oposição eficiente, quando existe, as eleições quando ocorrem e sempre os artigos de opinião, na comunicação social.

Para muitos é bastante, para outros insuficiente; Deixemos por ora esta questão igualmente crucial na gestão do interesse público.

Tudo isto a propósito de um comentário ao n/ post "Amigos, amigos, racionalidade no uso dos recursos e ineficiências à parte!", o qual, com total transparência perante os visitantes, reproduzimos de seguida:

Boa tarde.
Poderiam esclarecer, caso assim o pudessem ou o entendessem, qual a fonte ou fontes que recorreram quando referem:
1 - gastos anuais com o sistema de água ("A Câmara de Silves gasta anualmente no sistema de abastecimento de água 3,7 milhões de euros, mas a receita obtida com a venda do serviço é de 3 milhões pelo que o prejuízo é de 700 mil euros anuais");
2 - Perdas de água ("As perdas de água ascendem a 60 %, o que quer dizer que mais de 3 milhões de m3 vão “pelo cano” que não o do abastecimento público, o que representa cerca de 1,5 milhões de m3/ ano.");
3 - Reabilitação de rede de abastecimento de água nos últimos 5 anos ("...só foram reabilitados 2,1 km de rede, quando deveriam de ter sido 45 km.").
Agradecia o esclarecimento, com a indicação da ou das respectivas fontes de tais dados, para um melhor esclarecimento da situação, para todos os cidadãos do concelho de Silves.
Não posso deixar de manifestar a minha tristeza de, por mais uma vez, olhar-se apenas para a freguesia do lado, para ver o que está ou irá ser feito/realizado e não equilibrar com o que foi feito e encontra-se a ser realizado na própria Freguesia. Parece que a galinha da vizinha é melhor que a minha, segundo o provérbio, mas sempre com receio que a dela engorde mais que a minha, por caminhos travessos.
Atenciosamente,


Sem outro comentário, por ora, informamos que a fonte que utilizamos para fazer o post foi o RASARP 2015, Volume 1 - Caraterização do setor de águas e resíduos publicação da ERSAR, que sintetiza a informação mais relevante referente à caraterização do setor do saneamento básico no ano de 2014, referenciada a 31 de dezembro, abordando a sua caraterização e evolução, os principais intervenientes, os principais números em termos de recursos do setor, a análise económica e financeira, os principais resultados da avaliação da qualidade do serviço prestado aos utilizadores e a análise relação das entidades gestoras com os utilizadores dos serviços.

A fonte pode ser encontrada aqui:http://www.ersar.pt/pt/site-publicacoes/Paginas/edicoes-anuais-do-RASARP.aspx

"That's all Folks", como diria "Buggs Bunny", um animal (coelhinho) muito inteligente, muitas vezes Chico Esperto, mas invariavelmente racional, porque sendo um boneco animado não é o animal que parece mas sim uma criação do homem!

terça-feira, 11 de julho de 2017

Galpgate: ou há moral ou comem todos

Já aqui escrevi que há um lado positivo no chamado, talvez com algum exagero, Galpgate: os decisores perceberem que as regras, no que toca à relação com empresas sobre as quais tomam decisões, são estritas. Porque o secretário de Estado aceitar uma viagem e um bilhete para a bola não afeta nada as decisões que tem de tomar, mas revela uma intimidade que tem de ser inibidora. Por isso não, não concordo com a posição de muitos quando tratam este caso como absurdo. O nacional-porreirismo não é uma forma de corrupção mas é sinal de relaxamento ético que facilmente torna as relações institucionais excessivamente informais.

Escrever isto não é defender que os três secretários de Estado cometeram um crime, como parece acreditar o Ministério Público. Tenho mesmo dificuldade em imaginar onde vão desencantar o dito crime. Espero que estejam seguros do caminho que estão a trilhar ou será inevitável que cresça a ideia de que há, em alguns sectores da justiça, uma má vontade com uma parte dos políticos. Porque era evidente que a partir do momento em que Jorge Costa Oliveira, João Vasconcelos e Rocha Andrade fossem constituídos arguidos não poderiam ficar no governo. A antecipação é, aliás, das poucas coisas inteligentes que o governo fez este mês.

Apesar de ter muitas dúvidas sobre a criminalização do comportamento eticamente condenável dos secretários de Estado mas de achar que a moralização da vida política passa por reforçar o cordão que separa o poder político e poder económico, é fundamental perceber se há uma perseguição judicial e ética seletiva. Porque se há, o assunto passa a ser esse.

Quanto à questão judicial, quero perceber se o atual e o próximo líder parlamentar do PSD também vão ser constituídos arguidos ou continuar a ser investigados. Os que apareceram na bancada VIP, que as empresas costumam reservar, não tendo por isso seguramente comprado aquele bilhete. Que viajaram pela agência de Joaquim Oliveira, que trabalha para a Federação Portuguesa de Futebol, mas juram ter sido eles a comprar o bilhete. Não me levem a mal, mas quando uma coisa parece ser exatamente igual a outra e dá sinais de ter sido corrigida depois de rebentar a bronca não me chegam formalismos, quero investigações sérias. Enquanto isto era apenas um escândalo mediático aceitavam-se justificações pouco credíveis. Se é para ser crime, exijo, como cidadão, que todos sejam investigados.

Quanto à perseguição ética, nem saberia por onde começar. A razão pela qual a comunicação social, em contraste com o que tem sido habitual, está relativamente sóbria em relação a este tema é simples: a generalidade dos órgãos de comunicação social aceitam viagens e outro tipo de ofertas de empresas sobre as quais escrevem. Os mais sérios declaram-no no fim dos artigos, quando essas viagens ou ofertas servem para fazer trabalhos, os outros não. Vão os jornais que noticiaram esta viagem fazer um levantamento sobre o que é e não é aceitável fazer na sua própria casa? Interditar a aceitação de qualquer viagem se não tiver como fim um trabalho específico? Debater se mesmo para fazer reportagens devem aceitar viagens pagas por instituições privadas? E públicas? A minha ida às convenções Democrata e Republicana, para escrever vários trabalhos para o Expresso, foi financiada pela FLAD (uma instituição pública que tem essa função nos seus objetivos) e isso estava declarado nos trabalhos publicados. Não sei se aceitaria fazê-lo se o financiamento fosse privado e sei que nunca aceitei qualquer tipo de oferta ou viagem que não fosse institucional (para o órgão de comunicação em que trabalhasse) e exclusivamente para fins de trabalho. Mas gostava que houvesse um debate entre os jornalistas para serem claras as fronteiras e cada um não agir segundo os seus próprios limites éticos. Querem os jornalistas, enquanto classe, definir regras e dá-las a conhecer? Ou a clareza das regras é só para os políticos?
Se o problema é, como parece ser, um conflito de interesses, apesar de não levantar questões legais, tenho de perguntar se o conflito de interesses e falha ética não se aplicam ao patrocínio de atividades dos próprios magistrados do Ministério Público por empresas que podem ter – e muitas delas têm – importantes processos a correr na justiça. É que, tal como nos recorda o blogue Estátua de Sal (https://estatuadesal.com/2017/07/10/e-nao-houve-recebimento-indevido-de-vantagens/), o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público viu o seu IX Congresso, em 2012, patrocinado pelo Banco Espírito Santo, Montepio Geral, BPI e CGD, só para me ficar pela banca. Isso afeta a independência dos magistrados associados ou dirigentes do sindicato? Tanto como a ida de Rocha Andrade a França.

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 11/07/2017)

Amigos, Amigos, Racionalidade no uso dos recursos e Ineficiências à parte!

O nosso último post “Como comprar votos em vésperas de eleições” gerou alguma controvérsia na blogosfera – o que não é novo, nem indesejável – mas lá por isso, nada nos impede de considerar os comentários, na blogosfera ou fora dela, algumas vezes, injustos, outras vezes aberrantes e muitas vezes de vistas curtas.

Sem recear a critica, seja ela de que natureza for e independentemente do seu mérito, gostaríamos de revisitar o comentário em questão, o qual aproveitamos para ampliar na sua visibilidade reproduzindo-o de seguida, em primeiro plano, para que não restem duvidas acerca da lealdade no debate de ideias no Blog CIDADANIA, antes de entrarmos propriamente na defesa dos nossos pontos de vista, nos quais assentou o nosso último post, aquele mesmo que gerou a indignação do visitante cujo teor transcrevemos:

Luís Guedes disse...
O Blog Cidadania já teve melhores dias, mas, percebe-se... quando chegam as eleições, há que começar a bater no ceguinho, distorcendo e recortando factos conforme dá mais jeito...

No Lavajo e Benaciate, terras do nosso concelho, aonde existem munícipes como eu que também pagam impostos, mas que não têm água em século XXI, empreitada de 1 milhão de euros, com financiamento aprovado por fundos comunitários a 85%, o que significa que para a câmara só decorre uma despesa efectiva de 15%... e olhe que esta obra ando eu e mais 399 e tal famílias que residem no concelho a implorar há décadas!!!

Uns posts mais abaixo, no mesmo blogue, e noutras noticias já vindas a público, inclusivo com direito a discussão pública na sede dos Armacenenses, sabe-se que em Armação de Pêra, sem considerar as substituições de condutas antigas em fibrocimento que já foram efectuadas nestes últimos dois/três anos, a Câmara vai investir 2 milhões de euros, sem financiamento comunitário, portanto, tudo suportado pelo orçamento municipal, por todos os munícipes do nosso concelho, de Armação a São Marcos da Serra (alguns que não sequer têm água pública, como eu), para renovar toda a rede de águas e esgotos da baixa de Armação de Pêra e acabar de vez com o problema das cheias, com um projecto que já está sendo elaborado só pelo maior especialista do país... Nada contra, parece-me muito bem, que se resolva o problema e que se melhore qualidade de vida às pessoas

Eu que resido no Lavajo pergunto então ao Blogue Cidadania se devo continuar a viver sem água em pleno século XXI, para que os senhores autores deste blogue vivam ainda melhor??! Eu não pago impostos como os senhores? Não pago também IMI? Talvez vocês paguem mais, porque escolheram viver à frente da praia... eu vivo no campo, porque não tenho meios para viver à frente da praia, e então devo ser tratado como cidadão de segunda à luz da lei, é isso?!? É a tal igualdade que os senhores defendem?!? Parece que Salazar está de volta para criar desigualdades!

O blogue Cidadania já teve melhores dias. Neutralidade, imparcialidade e independência zero... com as eleições à porta, há que começar a fazer campanha, julgava eu que este blogue era isento na matéria, mas já vi que não e ainda por cima falta ao respeito a mim e a todos os contribuintes que residem noutros locais do concelho que não sejam de Armação de PÊra... nenhum de nós merece, nem os armacenenses!


O nosso visitante snr. Luís Guedes, em “modo” “ofendido” veio, claramente em defesa da sua “dama”, privilegiar, como aquela, o investimento na construção da rede de distribuição de água em Lavajo e Benaciate.

Pensando poder contribuir para um esclarecimento da questão, racional e não exclusivamente político-partidário, vejamos então o seguinte:
A Câmara de Silves gasta anualmente no sistema de abastecimento de água 3,7 milhões de euros, mas a receita obtida com a venda do serviço é de 3 milhões pelo que o prejuízo é de 700 mil euros anuais.

Com este prejuízo anual, recorde-se: de 700 mil euros, a Câmara de Silves ou qualquer outra, tal como qualquer cidadão, ou recorre ao crédito, engrossando a divida, ou retira o dinheiro de outras verbas do respectivo orçamento, de “caras” ou de “cernelha”, que deveriam ser investidas, dizemos nós, no desenvolvimento do concelho.

Atentando nos seguintes factos:

As perdas de água ascendem a 60 %, o que quer dizer que mais de 3 milhões de m3 vão “pelo cano” que não o do abastecimento público, o que representa cerca de 1,5 milhões de m3/ ano.

Nos últimos 5 anos só foram reabilitados 2,1 km de rede, quando deveriam de ter sido 45 km.

Como é que podemos concordar com a prioridade do investimento em Lavajo e Benaciate?

Não seria mais racional canalizar o investimento na deteção de fugas, reduzi-las a metade e recuperar pelo menos 750 mil euros?

Por outro lado, não podemos deixar de ter presente que falta de água pública não impediu que alguns residentes em Lavajo e em Benaciate tenham construído as suas piscinas, não tendo nós nada contra as piscinas ou contra quem tem meios para tê-las.

Sucede é que ainda temos menos contra a racionalidade ou contra as medidas de força maior que se justificam em casos, exactamente de força maior!

Em matéria de impostos, sem olvidar que paga mais um T0 em Armação de Pera com vista de betão, do que uma das vivendas de luxo com piscina em Lavajo, importa-nos mais saber – visando não continuar a pagar porque sim e independentemente da sobrecarga fiscal que todos suportamos, sabendo-se bem que as necessidades da receita resultam, na maior parte das vezes da incompetência, ineficiência e, ou, solidariedades paroquiais de pacotilha que determinam e agravam uma despesa excessiva- em que medida cada euro gasto pode reduzir a despesa, logo, potencialmente, a carga fiscal, do que as prioridades estabelecidas para a despesa numa lógica de que o cidadão-contribuinte está lá “no matter what?” para ordenhar sempre que necessário como se de uma vaca leiteira (saudável e inesgotável) se tratasse!

Hoje em dia, perder a quantidade de água que se perde no concelho, por ineficiência da rede, a qual não é destinatária, por parte do Município, da devida reparação prioritária e urgente, negligenciando um dever económico e ecológico fundamental, É UM CRIME!

Um CRIME por acção de gerir a riqueza pública que a água constitui, como se se tratasse o pais, de um Estado rico e perdulário, num planeta ambientalmente perfeito;

Um CRIME por acção de gerir as receitas dos cidadãos-contribuintes, aplicando- as através da realização da despesa sem respeito pelas prioridades, racionais e economicamente mais relevantes e sustentáveis.

Nada nos move contra o desenvolvimento de Lavajo e Benaciate, ou que qualquer outra localidade em igual ou pior situação, porém também nada nos move a favor da despesa irracional num contexto de necessidades inventariadas e òbvias que se adiam em manifesto prejuízo da economia, do ambiente e de todos os cidadãos-contribuintes!

A apimentar a coisa: tudo isto em mais um ano de secas severas,com concelhos a verem a àgua dos furos alternativos a secarem e a terem de transportar àgua em auto cisternas para servir as populações, cujo consumo se encontra racionalizado e reduzido.

Não contem connosco para isso!

terça-feira, 4 de julho de 2017

Medina Carreira (1931-2017)

Num Conselho de Ministros, o ministro das Finanças do I Governo Constitucional ouvia o pedido de um colega do Executivo que queria um aval para que fossem disponibilizados 600 mil contos do Estado (era 1% do PIB). “Parece impossível o ministro das Finanças opor-se a isto, tivemos um trabalhão”, argumentava-se, na tentativa de convencer o homem a quem todos ali conheciam o espírito somítico e (já então) tantas vezes apocalítico quanto ao futuro do Estado e da sua saúde financeira. “Foi uma pena não terem tido um pequeno trabalho mais que era arranjar os 600 mil contos”, respondeu o responsável das Finanças do primeiro Governo liderado por Mário Soares, Henrique Medina Carreira. Arrumou ali o assunto.

A história foi contada pelo próprio, em 2011, numa entrevista dada à revista Sábado, quando lhe perguntaram sobre alguma reunião de ministros mais difícil, naquele ano e meio no primeiro Governo constitucional em que foi ministro das Finanças. “Acabou a discussão e não houve dinheiro para ninguém”, contou com aquele orgulho na sua disciplina financeira — avareza, diriam alguns dos seus colegas do Governo — com que contava tantas outras histórias. Como aquela que repetia a cada entrevista, dos sapatos que em 1971 levou numa viagem à União Soviética e que ainda hoje conservava. “Não sinto necessidade de esbanjar dinheiro. Gasto muito pouca coisa de uso corrente, sapatos tenho de 30 anos. Fui à União Soviética em 1971 e tinha um par de sapatos que já eram usados cá e ainda lá estão em casa”.

O que o fazia gastar dinheiro? “Livros”, confessou ao Expresso, em 2009. Nos últimos anos lia sobretudo biografias políticas. Atualmente, Medina Carreira vivia sozinho. “Hoje tenho uma vida pacata, vivo só. Enviuvei, depois vivi em união de facto, depois vivi em união de facto, depois casei, depois divorciei-me”, contou numa entrevista a Anabela Mota Ribeiro, publicada no Jornal de Negócios em outubro de 2009. Tinha uma filha, Paula. Não tinha netos, com pena de hoje não o fazerem “andar de gatas” ou de tê-los “às cavalitas” ou de o fazerem “rebolar no chão” e “esquecer esta cegada”, confessou muitas vezes, como aqui, aqui ou aqui. Estava internado há cerca de um mês, num hospital em Lisboa onde acabou por morrer aos 85 anos, esta segunda-feira, dia 3 de julho de 2017. Insatisfeito com o país, arrasador para os seus políticos e partidos, preocupado com o seu futuro. Como sempre.

Nos últimos anos teve espaços de comentário político e económico, primeiro na SIC e depois na TVI, sempre muito mordaz, incisivo, direto, incómodo e polémico. Mas não gostava que o classificassem de “pessimista”. Respondia no seu estilo muito próprio: “Chamam-me assim porque, para me responderem, tinham de ir trabalhar, estudar os números, raciocinar. Limitam-se a chamarem-me pessimista e dão repercussão a essa ideia. É a coisa mais estúpida deste mundo e é a fórmula cómoda de tentar anular o meu pensamento”.

Enquanto não vir gente capaz de tomar conta deste país, sou incómodo. Quando olho para os partidos, para estes dirigentes, não posso ser outra coisa. Os factos mostram que somos a pior economia da Europa e dos países mais endividados. Até hoje, não consegui arranjar uma pessoa para discutir comigo num programa na televisão…”, disse ao Expresso em 2009

Prometia, não raras vezes, que se lhe dessem uma hora e meia de televisão virava “muita gente do avesso”. A sua experiência política resumiu-se a dois governos. Um provisório, em 1975, como Subsecretário de Estado do Orçamento e o segundo foi o que tinha Mário Soares na liderança. Salgado Zenha e Mário Soares convidaram-no para almoçar numa tasca em Belém, estava ele a preparar os caixotes para sair do Ministério quando percebeu que a sua passagem pelas Finanças afinal não ficaria por aquele Governo provisório.

Na família isso foi mal visto. Aliás, Medina Carreira contava muitas vezes, entre gargalhadas, como o pai lidava com o assunto, recordando dois episódios concretos. Uma vez, António Barbosa Carreira escreveu a um primo: “Veja lá que o meu filho é tão burro que aceitou ser Ministro das Finanças num país falido”. Outra, visitou-o no Ministério e a rececionista percebeu que era o pai do ministro pelo documento de identificação. Abordou-o: “O senhor é pai do senhor Ministro?”. “Não, não, o senhor Ministro é filho de pai incógnito”, respondeu.

Não queria ser ministro, mas aceitou porque na altura, no pós 25 de Abril, dizia sentir um espírito de missão que fazia impossível recusar um cargo de governação. Mas do que gostou mesmo foi de ser sub-Secretário do Orçamento. “Gostei muito de lá estar. Depois transitei para a função de ministro. E detestei lá estar.” Explicou mais tarde que “não era uma atração – ser Ministro das Finanças. Num país rico e próspero, deve ser agradável”. Mas se este não era o momento, menos ainda o era na altura, com o país a braços com um pedido de assistência financeira ao Fundo Monetário Internacional. A primeira necessidade foi em 1977, apanhou Medina Carreira no posto das Finanças, mas negou à Visão ter sido ele que arquitetou o acordo com o FMI: “Quem esteve nisso foi depois o Vítor Constâncio e o Silva Lopes. Eu nem concordava com o acordo com o FMI. Aliás, vi logo que estava mal no Governo, porque não conseguia fazer a minha política, ninguém concordava comigo”.

A conclusão de homem desajustado com o seu tempo e quase um vidente do Apocalipse financeiro era recorrente em Medina Carreira. Isso e a desilusão com os políticos, que mostrou ter sido crescente ao longo dos anos. Chegou a militar no PS, mas poucos anos depois, em 1978, e já depois de ter sido ministro, saiu em rutura pelo chumbo ao Governo de iniciativa presidencial (era Eanes o Presidente) chefiado por Nobre da Costa.

Porque é que me sinto de esquerda? Porque a minha grande preocupação sempre foi a gente que está pior e que não teve sorte na vida. A derivação da engenharia para o que vim a fazer foi motivada por isso”.
Acabou por voltar para sair de novo, em 2001, “por causa daquela trafulhice da reforma do património, no tempo do Guterres. Percebi que aquele partido era dirigido por gente sem palavra e eu não me dou com gente sem palavra”, contou a Anabela Mota Ribeiro. Em causa estava um convite que recebeu, do ministro das Finanças de Sousa Franco, para estabelecer uma comissão para fazer propostas para a reforma do património. Incluía um imposto sobre as ações e Medina teve o compromisso do próprio primeiro-ministro, António Guterres, de que aquilo iria por diante. Não foi e chegou a dizer que, na altura, pediu uma posição pública a Guterres, que nada fez. “Senti que o PS se estava tornar demasiado manhoso para mim.”

Apesar de tudo garantia gostar do pai-fundador do PS, Soares. Reconhecia-lhe o papel decisivo nas fundações da democracia, mas em 2006 foi Cavaco Silva que apoiou como candidato à Presidência da República, precisamente contra Soares. Mais tarde havia de reconhecer que, naquela altura, o país teria precisado de meio Cavaco e meio Soares, na Presidência. Nas Presidenciais mais recentes, já depois de anos de crítica intensa ao sistema dos partidos e aos políticos sem uma atividade profissional, preferiu apoiar o empresário socialista Henrique Neto.

Sinto-me corrosivo nas apreciações, e na política estou cada vez mais corrosivo, porque acho que a desgraça é cada vez maior”.

Sempre viu no seu espírito de “espalha-brasas” uma veia do seu pai, o homem que o ensinou a ler aos 4 anos e que aos 10, quando vindos da Guiné Bissau (onde nasceu), lhe deu três hipóteses para prosseguir os estudos, já em Lisboa: Infante Sagres, o Colégio Militar ou os Pupilos do Exército. “Concluí que o colégio para onde iam os filhos de gente modesta era os Pupilos. O Colégio era para filhos de oficiais, os Pupilos para filhos de sargentos, praças, cabos. Eu, em qualquer circunstância, estou do lado das pessoas que, na escala social, são mais exploradas, mais enganadas. Estou sempre, espontaneamente, do lado do fraco”.

Por lá estudou 9 anos e ganhou uma “educação rigorosa”. Na entrevista à Sábado (já citada e com link) explicou que aos 11 já “manejava armas” e que quando chegou à escola, em regime de internato, “nunca tinha mexido em água fria para além das mãos. No primeiro dia fui obrigado a tomar um duche de água fria às 6h da manhã. Hoje, tomo quente, às vezes fria. Morna não, não gosto de meias-tintas, nem no banho”. Foi lá que tirou um bacharelato em engenharia mecânica e, quando saiu da escola, procurou emprego na área, encontrando-o na Companhia União Fabril (CUF) do Barreiro, na fundição de aço. Por lá ficou três anos, enquanto acabava o curso do liceu. Mais tarde licenciou-se em Direito, na década de 60, frequentando mais tarde o curso que sempre ambicionara: Economia, na Universidade Técnica de Lisboa. Não chegou a terminar: “Não tinha tempo”. Especializou-se na fiscalidade.

No comentário que fazia, nos últimos anos, Medina Carreira era especialmente crítico da despesa do Estado. “A social-democracia tenta igualar o mais possível a distribuição de riqueza e desenvolver um conjunto de mecanismos que protege as pessoas em dificuldades. Foi um ótimo sistema enquanto houve dinheiro.” Agora, clamava muitas vezes, o dinheiro era emprestado e os Estados, dizia ainda, “receberam o passivo das políticas sociais, mas não os aspetos positivos: riqueza, pleno emprego, etc..

Se desapareceram os alicerces do Estado social, este passou a ser ficção. Estamos a fingir. Ou os políticos social-democratas repõem a economia, ou nada feito”.

“Ou percebemos a tempo a nossa doença, ou um dia teremos um Salazar”, avisou na entrevista à Visão (citada em cima), em setembro de 2009, altura em que lançou mais um livro muito crítico da classe política “Portugal, Que Futuro? O tempo das mudanças inadiáveis”. Noutro, o “Fim da Ilusão”, lançado em 2011 em plena chegada da troika, onde se dedicou a explicar as causas do “colapso financeiro”.

De si dizia ter “uma qualidade”. “Sou uma boa pessoa. Sou uma pessoa que não trafulha, que não intriga, que não se vinga, que não persegue, que não odeia.” Em 2009 afirmava, numa entrevista então publicada no Negócios, que não tinha “vontade de morrer”, não por medo da morte, mas pela “maneira de morrer”. Até para isso tinha uma solução radical: “Defendo que desde a nascença devíamos ser portadores de uma ampola com cianeto de potássio. Os nazis andavam com uma. Quando dava para o torto, dentavam e caíam para o lado. Acho que devíamos ser senhores do nosso fim”. Mas também garantiu que até ali, se tivesse a tal ampola, também não a teria utilizado.