sábado, 10 de dezembro de 2016

Impérios

Quem ler um livro qualquer sobre a decadência e queda de qualquer império acaba sempre por encontrar a mesmas queixas: a falta de religião ou uma religião exótica; o desamor pelos costumes antigos (bons) e o amor pelos novos (péssimos); o desprezo pelas classes dirigentes (merecido ou imerecido); a invasão ou penetração dos bárbaros; a indiferença das classes médias pela vida pública; o desprestígio dos militares; e – muito principalmente – a dívida do Estado e dos particulares. Dos generais romanos que vendiam o império por dinheiro sonante a Gorbatchev que pedia a Bush 1,5 biliões de dólares para que o bom povo do “socialismo real” pudesse comer, a história, real ou imaginária, não muda muito.

É por isso que me admira que ninguém tenha visto em Trump uma personagem de fim de império. Até na sua extravagância ele encarna o desespero geral da sociedade que o produziu e o slogan da campanha em que foi arrasando toda a gente era suficientemente explícito: “Let’s make America great again”, uma franca admissão que deixara de o ser. E, de facto, a América, que se tornou do maior credor do mundo no maior devedor do mundo e perdeu o domínio tecnológico que sempre a salvara no século XX, já não tem os meios das suas ambições. Convém talvez perceber a imensidade do que Washington precisa de pagar pela sua proeminência. Não vale a pena insistir nas despesas directas com armamento (e com a respectiva modernização). Paga também 80 por cento das despesas da NATO. Paga a meia dúzia de Estados do Médio Oriente, que sem ela não sobreviveriam, a Israel, ao Líbano, à Jordânia e por aí fora. Paga ao Egipto, e ao Iraque, e ao Irão. Paga pela terra inteira para amortecer ameaças, para conservar amigos, para não fazer inimigos. Fora os maus negócios que permite por puras razões políticas, como com a China ou com o México.

O eleitor comum, que não frequenta nenhum Instituto de Relações Internacionais, não compreende porque deva ser ele a sustentar a megalomania de um império muito claramente over-extended, como dizia Paul Kennedy (de quem se voltou a falar). Trump é o sintoma de uma situação sem uma saída lógica. Por isso o clima de loucura que ele transmite com tanto fervor. As berrarias contra mexicanos, negros, mulheres ou qualquer cidadão que saiba vagamente ler e escrever mostram a impotência da criatura. E, ainda por cima, de uma criatura sem grande imaginação; o muro veio de Berlim; o proteccionismo de 1930; a retirada militar da Europa de 1919. O “America First” de Lindbergh.

Trump não quer que a America seja o polícia do mundo. Não é com certeza o único. Só resta explicar como ficará o mundo sem polícia.

Por: Vasco Pulido Valente

Sem comentários:

Enviar um comentário