Houve um tempo em que o jobs for the boys era um slogan com alguma nobreza e era usado por empresas norte-americanas para prometer emprego aos boys ou soldados, quando estes regressassem da Grande Guerra. Hoje, a expressão perdeu qualquer conotação patriótica e assumiu a sua conotação partidária, de cunha, de partidarização e de colonização da coisa pública.
Faz agora 20 anos que António Guterres, acabado de ganhar as legislativas, anunciava a boa nova: "Acabaram-se os jobs for the boys.”
Mas não, não acabaram. Dar um tacho a um militante dedicado continua ser o pão nosso de cada dia. No ano passado, uma investigadora da Universidade de Aveiro analisou 11 mil nomeações para cargos públicos feitas durante dois governos do PS (Guterres e Sócrates) e um governo do PSD-CDS (Durão Barroso/Santana Lopes).
A conclusão, sem surpresas, é que a maioria das nomeações serviu para recompensar lealdades partidárias.
Foi em 2012, e para tentar acabar com os jobs for the boys, que Pedro Passos Coelho criou a Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (CRESAP). Este novo organismo tinha como principal objectivo tornar o processo de recrutamento para cargos públicos mais dependente da meritocracia e menos dependente da fidelidade partidária.
Ter cartão partidário está longe de ser sinónimo de competência. Como fez questão de lembrar Paulo Morais, da Transparência e Integridade, “só por milagre um boy de uma juventude partidária, habituado a organizar jantares e comícios, consegue fazer um bom trabalho num organismo público”.
Passos Coelho ousou fazer aquilo que nenhum outro líder partidário fez no passado. E tem esse mérito. E merece esse reconhecimento. Mas da teoria que tentou aplicar à prática vai uma grande distância.
A CRESAP sempre funcionou aos solavancos e desde que foi criada já teve episódios que pouco a dignificaram. Ainda todos se lembrarão do caso de Francisco Almeida Leite, o ex-secretário de Estado de Paulo Portas. Quando Portas subiu a vice-primeiro-ministro, Francisco Almeida Leite ficou sem emprego e o seu nome foi então proposto para ser administrador da Sofid.
Apesar de não ter experiência no sector financeiro e bancário, a CRESAP aceitou o seu nome para desempenhar o cargo, mas recomendou “vivamente” que ele fosse tirar um curso de Gestão para se inteirar das matérias financeiras. Resumindo, Francisco Almeida Leite foi ocupar um cargo para o qual, segundo a CRESAP, não tinha qualificações, mas em todo o caso foi aceite desde que fosse estudar.
Ainda bem que não estamos a falar de um médico. Imaginem o que era estar a estudar Medicina de manhã e ter de ir ao hospital à tarde operar algum desgraçado.
O tema dos boys regressou esta semana à agenda depois de o Jornal de Negócios ter noticiado que o Governo tinha feito 14 nomeações definitivas para as direcções dos centros distritais da Segurança Social, em que todos os nomeados tinham algo em comum: um cartão do CDS ou do PSD. Nos concursos terão participado quase três centenas de candidatos. Claro que haverá nomeados com alguma ou bastante experiência no sector, outros nem por isso. Daí a serem todos militantes dos partidos da maioria é uma grande coincidência.
E coincidência é o facto de a Segurança Social estar agora a ser tutelada por Pedro Mota Soares do CDS que em 2011 foi ao Parlamento reclamar contra José Sócrates e contra as nomeações de boys feitas pela ministra Helena André. Na altura, o CDS apresentou um powerpoint em que mostrava que muitas das nomeações, precisamente para os centros distritais, se referiam a pessoas ligadas ao PS e questionava: “Mas quem são estas pessoas?” “Qual a ligação ao Partido Socialista?” Três anos volvidos, e agora no Governo, devemos perguntar a Pedro Mota Soares: “Mas quem são estas pessoas?”
O que aconteceu na Segurança Social e o que está a acontecer em quase todas as nomeações deste Governo, é relativamente fácil de explicar.
Quando se criou a CRESAP, não houve tempo para se fazer concursos em simultâneo para todos os cargos de chefia de uma assentada. Logo, o Governo aproveitava o chamado "regime de substituição" para nomear dirigentes de forma temporária até que se realizassem os concursos da CRESAP. Foi uma inundação de boys e girls. O problema é que grande parte dessas nomeações acabou por servir para dar currículo aos boys que mais tarde vieram a participar nos concursos da CRESAP numa situação mais vantajosa. Os próprios ministérios muitas vezes pediam candidatos com exigências feitas à medida dos que já lá estavam ou dos que queriam que lá fossem parar. E assim foi.
Da short list de três candidatos que a CRESAP é obrigada a fazer, o membro do Governo em questão escolhia invariavelmente, claro está, aquele que vinha com um cartão de filiação partidária.
Resumindo, é uma forma legal e mascarada de continuar a fazer as coisas à moda antiga. João Bilhim, presidente da CRESAP, confrontado com a inundação de boys nos centros distritais da Segurança Social reconhece que “usou-se e abusou-se da figura do regime de substituição”. Mas defende-se dizendo que “os boys antigos não passavam previamente por nenhum crivo". "E estes senhores e senhoras nomeados para a Segurança Social têm uma vantagem relativamente às anteriores nomeações: é que pelo menos tiveram um selo de qualidade dado por uma entidade administrativa independente.”
A tese de Bilhim – de que os boys de hoje, com um carimbo oficial, não são os boys de antigamente – faz lembrar aquela música da homenagem ao malandro do Chico Buarque:
Agora já não é normal
O que dá de boys regular, profissional
Boys com contrato, com gravata e capital
Que nunca se dá mal
Uma homenagem aos boys do PS, PSD e CDS
PEDRO SOUSA CARVALHO
13/02/2015 - 01:31
“Mas quem são estas pessoas?”, perguntava o CDS em 2011 para criticar osboys do PS. E agora, Mota Soares?
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