terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Que fazer?

Apesar de tudo cá estamos(4.1.13 Negocios online)


Não parece ser de bons auspícios o ano que ora começou. E lembrei-me de Jorge de Sena, o grande poeta, para fazer uma paráfrase de um dos seus poemas: "Que Portugal querem os portugueses para Portugal?" A verificar pelas manifestações da CGTP, e pela imponência do protesto registado em 15 de Setembro, que levou às ruas do País um milhão de pessoas, os portugueses são, demonstradamente, desafectos, deste Governo e desta política.

Mas esta política resulta da ideologia dominante na Europa, das indicações do Partido Popular Europeu (com inclinações evidentes para a extrema-direita), da incapacidade de a esquerda dispor de uma doutrina e de uma coesão necessárias à formação de uma frente comum e da ausência total de convicções.

Desapareceu a Europa de Adenauer, de De Gasperi, de Helmut Schmidt, de Willy Brandt, de Helmut Kohl, de De Gaulle, de Mitterrand, de Olof Palme, de Berlinguer, de Santiago Carrillo, de Cunhal, de Mário Soares, que configuraram e, amiúde, representaram o assim chamado "espírito europeu", no seu melhor como no seu pior. Foram substituídos por uma desavergonhada trupe de medíocres, cuja praga se estendeu aos mais diversos sectores da actividade humana.

E a ideia de uma Europa da solidariedade e da unidade na diversidade da sua extraordinária cultura, dissolveu-se com a emergência de um capitalismo finalmente à vontade para pôr as garras de fora. Este processo é longo e larvar, que atinge a sua expressão mais hedionda com a implosão dos países de Leste.

Mas houve "experiências" anteriores, sobretudo em numerosos países da América Latina, onde as teorias económicas de Milton Friedman foram aplicadas, a ferro e fogo. Basta lembrarmo-nos do Chile, mas também da Argentina, do Brasil, do Uruguai, nos quais os golpes de Estado, apoiados pelos Estados Unidos, e estruturados por "especialistas" da CIA, constituíram uma sangueira sem nome.

Um pouco por todo o lado, as guerras e os golpes militares, as violências e as barbaridades têm fundado a história de um mundo aparentemente apaziguado e de uma Europa fautora de estabilidade e de sossego.

Tudo mentira, tudo um embuste com "branqueamentos" históricos dos mais miseráveis. Entre nós, o aparecimento, pós-25 de Abril, de uma geração de jovens turcos, na política, no jornalismo e na cultura, de um modo geral, que ambicionavam tomar as rédeas dos vários poderes, foi saudado com satisfação, mas apreensivamente. A descaracterização política que expunham, uma alegada distanciação ideológica e uma desenvoltura nascidas das aparentes facilidades criadas à sua volta produziram efeitos nefastos.

Uma concepção de amnésia histórica, antes de nós nada existia, encontrou terreno fértil no Portugal do dr. Cavaco, discípulo fiel, e ignaro, convém dizer, na Inglaterra da senhora Thatcher, e nos Estados Unidos de Ronald Reagan. 

Está por fazer, embora haja estudos e artigos dispersos, dos efeitos nefastos destas décadas, provocados por aqueles políticos.

Retenho na memória, entre outros episódios, a simpatia esfuziante com que a Thatcher foi visitar Pinochet, quando este esteve retido em Inglaterra, por intervenção do juiz Baltazar Garzón, que o acusara de crimes contra a humanidade.

De facto, as coisas possuem relações estranhas, ou não tão estranhas como isso. As famílias políticas e ideológicas estabelecem sempre laços que determinam a sua razão de ser e cimentam os seus interesses e objectivos. Pedro Passos Coelho pertence a essa parentela. E, acaso sem o saber, tem servido, no último ano e meio, de funâmbulo de uma experiência malvada, que nos arrasta para um beco sem saída. Claro que dispõe de cúmplices neste empreendimento medonho, o primeiro dos quais será, obviamente, o dr. Cavaco, não nos esquecendo dos apoios recíprocos dos banqueiros e seus bordões.

Temos de entender que, sem uma reviravolta na política europeia não haverá alterações na política portuguesa. E não deixa de causar um triste sorriso o foguetório com que certo sector português aplaudiu a vitória de François Hollande. Dali e dos seus nada há a esperar.

Encontramo-nos, pois, neste começo de ano, numa situação não apenas embaraçosa, como extremamente dramática. Que fazer? Esperar que as coisas se modifiquem por si, ou que ajamos em consonância com o violento cerco que nos fazem? E de que forma e modo vamos resistir? A verdade é que a História, sendo uma deusa cega, é-o para todos os lados, e que nada é imutável. E, apesar de tudo, cá estamos.
Bom ano, meus amigos!


b.bastos@netcabo.pt

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