sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A cidade e a crise


Face à crise, a cidade deve ser estratega. Governando de forma atenta e pensada, pouco atreita a ‘vaipes’ populistas. Com um verdadeiro planeamento, técnico só depois de estratégico.

Sabendo que se vive numa era de transição, com muita desorientação. E como tal, defendendo princípios sólidos, a todo o custo: o direito à cidade, ao habitat, à mobilidade; a inclusão social, o consumo sustentável, o ambiente, o empreendedorismo local.
Este ‘a todo o custo’ não é custo, é investimento. Bem feito, será altamente recompensador no futuro.
Perante a crise, a cidade deve ser democrática. Feita com as pessoas, e para as pessoas – de longe, o seu maior recurso, retro-alimentando a qualidade de vida e a esperança.
Sabendo que o futuro só se fará com a sociedade, não longe dela ou contra ela. Com auscultação, participação e inteligência dialéctica. Com processos como os orçamentos participativos, a Agenda Local XXI, os conselhos de bairro e de cidade. Construindo um urbanismo participativo e de proximidade. Construindo compromissos (diferente de consensos, palavra sonsa) o que implica ganhos e cedências e, sobretudo, implica responsabilidades para as diferentes partes.

Com a crise, a cidade deve ser geográfica e ambiental. Olhando-se bem, de forma integrada, seja pequena cidade ou grande metrópole, nas suas formas, funções, coesões e identidades.

Consciencializando-se que a louca expansão imobiliária e auto-estradística baseada no crédito bancário e no endividamento social e ambiental, foi justamente das principais causadoras desta crise.

Sabendo que não pode ocupar mais espaços naturais e agrícolas, e que se deve dedicar plenamente à revitalização da cidade já existente.

Através de um urbanismo detalhado, homeopático, de acupunctura.

Defendendo a reabilitação urbana, claro, mas numa perspectiva de efectiva ocupação humana, e não de mera ocupação financeira e especulativa.

Construindo excelentes redes de transportes colectivos e uma mobilidade real e eficazmente democrática.

Sustentando assim uma urbanidade de futuro, com densidade, qualidade de vida e reduzida pegada ecológica. Atravessando a crise, a cidade deve ser social e económica. Pugnando pelos direitos das pessoas e por um desenvolvimento realmente económico, que valore as oportunidades, a criatividade, o emprego, e a justa distribuição destes.

Defendendo que a cidade, quanto mais dinâmica e diversa – incluindo no seu empreendedorismo – mais exponenciará a própria vitalidade económica e o emprego.
Como defendeu recentemente o geógrafo catalão Oriol Nel.lo, boas e fortes políticas de qualificação dos habitats, dos transportes e das micro-economias urbanas, podem tornar-se as melhores bases para um novo New Deal económico e social na Europa, motores de uma verdadeira recuperação.

Para além da crise, a cidade deve ser cultural. Multi-cultural. Trans-cultural. Multiplicando os momentos e os espaços, públicos e privados, para as mais diversas experimentações e possibilidades. Apoiando plenamente todo o fervilhar e potenciar de sonhos e de ideias. Sabendo, tranquila, que a cultura não é um custo, é o maior dos investimentos.

Tendo uma atitude de franca abertura face ao diferente e ao recém-chegado. Na melhor compreensão do que é a cidade e a sua diversidade: cenário, palco e actor da própria condição humana.

A cidade perante a crise deve ser, portanto, uma completa agenda de futuro. Uma postura verdadeiramente política, algo em grande falta e em grande necessidade.

Parte central da saída da crise está na cidade, pelo que ela tem de energia, de criatividade, de riscos e de compromissos. É certo que no estado em que estamos, num país centralista, desorientado e mal governado, considerado pecador e como tal sob castigo, este será um caminho difícil de trilhar. Mas também por isso mais vital se torna a construção destes caminhos. Cada vez mais cidades e cidadãos estão a fazê-lo.

Merecem pois, estas e estes, todo o nosso apoio. São os que nos tirarão da crise.

João Seixas, Geógrafo in “Público” de 08.01.12



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