Os “numerus clausus” e a sustentabilidade do mercado da medicina privada…(I)
O Tabaco e a sustentabilidade do sistema…(II)
Um simpatizante do blog CIDADANIA (http:armacaodepera.blogspot.com), indignado com um entrevista que lera, em 2005, no jornal Público, sobre o cancro, o tabaco e a atitude dos estados quanto aos mesmos, recortou e arquivou aquela entrevista, aguardando a melhor oportunidade para, sem saber bem como, revelar a tantos quanto pudesse, a escandalosa informação que obtera por aquela via.
Segundo o mesmo, tendo conhecido este espaço de resistência civica, deu-nos o privilégio de nos dar a conhecer o artigo em questão e pediu-nos para o comentarmos ao nosso jeito, exercendo o seu (e nosso) direito à indignação, através deste pequeno veiculo de expressão da sociedade civil.
Esperando estar à altura do desafio, vamos lá a isso…
REZA O “PÚBLICO”:“ Portugal é juntamente com Espanha, um dos paises onde a mortalidade por cancro na UE a Quinze, não está a diminuir e onde apresenta a evolução mais negativa, referia um artigo publicitário no mês passado na revista cientifica ? Oncology.
Francisco Pimental da Sociedade Portuguesa de Oncologia, afirma que o pais tem apenas 50 por cento dos oncologistas de que precisa “para ter uma cobertura razoável”.
O também director do serviço de oncologia do Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, lamenta que o Plano Oncologico Nacional não passe de uma realidade de papel e que as consultas que juntam vários especialistas – o garante de um tratamento de qualidade- sejam ainda uma realidade muito rara.
PÚBLICO- Portugal tem a pior evolução de mortalidade por cancro na UE a Quinze. O que é que está a falhar?
FRANCISCO PIMENTEL- Não é simplesmente uma falha de politica de saude. Um exemplo: o nosso pais é talvez dos estados mais ricos em legislação antitabágica e deve ser dos estados que menos aplica os bons instrumentos que criou. Se pudéssemos simplesmente suprimir o tabaco, 30 por cento do volume dos cancros diminuia e isto é assustador.
PÚBLICO- Porque é que os estados não tomam medidas mais rigorosas no controlo do tabaco?
FRANCISCO PIMENTEL- Muitas pessoas pensam que é porque o Estado deixava de receber os impostos. A principal razão, infelizmente, não é essa. Se o Estado tivesse uma uma medida dura de pura e simplesmente acabar com o tabaco, dentro de alguns anos a esperança média de vida da nossa população aumentaria entre oito e 12 anos e não havia dinheiro para pagar as reformas.
PÚBLICO- Está a dizer que isso está na mente dos politicos?
FRANCISCO PIMENTEL- Mas é isso que está. Existem documentos da Organização Mundial de Saúde. Esta é a verdadeira razão da macroeconomia. Quando temos este pensamento por trás é aterrador. Se nós suprimissemos o tabaco…Não estamos só a falar de cancros, também de doenças cardio vasculares, de doenças respiratórias crónicas.
O prolongar da sobrevivência da população iria ser de tal ordem que os sistemas de segurança social entravam em colapso. Este é o verdadeiro problema da ineficácia de combatermos um flagelo de saúde pública.
………”
Por Catarina Gomes (texto) e Carlos Lopes (foto), In: Jornal ”Público” de 3 de Abril de 2005, pag. 28 (Sociedade).
A ENTREVISTA É RICA em oportunidades que cria para comentários!
Em primeiro lugar saliente-se a autoridade do entrevistado nas matérias sobre as quais deu a sua pública opinião.
Médico, Membro da Sociedade Portuguesa de Oncologia, Director do Serviço de Oncologia de um hospital público (no pressuposto de se manter nesse cargo depois desta entrevista), reune qualidades suficientes para que a sua opinião possa ser considerada como a de um especialista na matéria!
Em segundo lugar a coragem expressa na crueza das suas revelações, é geradora, pelo menos para nós, do dever de agradecer-lhe a sinceridade e o esclarecimento.
Posto isto, mergulhemos na análise dos factos:
Desde logo não podemos ficar indiferentes ao facto de ter Portugal, segundo o entrevistado, cerca de 50% dos oncologistas necessários a uma cobertura razoável.
Este primeiro dado suscita-nos uma velha questão que nos vem acompanhando de há muito, que é a saber qual a verdadeira fundamentação dos “numerus clausus” para o ensino universitário público, mormente para o curso de medicina.
Quais teriam sido os estudos e projecções que terão inspirado as brilhantes inteligências que sustentaram a criação e a implementação da tão asneática medida generalizada dos “numerus clausus”, ditada pelo Ministro da Educação Sottomayor Cardia, esse, tido publicamente por um homem inteligente, o que não deixa de ser estranho!
Toda a sorte de argumentos de cariz orçamental poderá ter sido alinhavada, mas mesmo um ignorante poderá dizer, nesta sede económica, que: se era para termos um défice como o que temos hoje, não foi, nem brilhante nem eficaz a poupança realizada com a limitação do numeros de alunos da faculdade de medicina.
Ora, se a motivação foi a poupança orçamental, fica demonstrado objectivamente pelo resultado, o evidente disparate que tal medida constituiu.
No entanto, poderá ter-se dado o caso, desta brilhante decisão ter tido por base a evidência do equilibrio entre a oferta e a procura no mercado da saúde que a politica dos “numerus clausus” acautela.
Não tem sustentação tal fundamento igualmente disparatado como qualquer utente de um hospital poderá demonstrar pelo número de linguas estrangeiras que teria de dominar para se fazer entender confortavelmente na sua relação de paciente/médico estrangeiro, em situação de dependência absoluta.
DISPARATE QUE PERSISTE e não se vislumbra que tenha um fim à vista, porquanto a procura de médicos reclamada pelo mercado, não parece motivar qualquer alteração da politica dos “numerus clausus” por uma de “numerus apertus” ainda que temperada pelo limite das necessidades do mercado.
Se a motivação foi de politica económica, reduzindo a intervenção do Estado no mercado do ensino para permitir à iniciativa privada, por forma empresarial, satifazer parte deste encargo social, reduzindo despesa e dinamizando a economia, designadamente no interior, o que realmente veio a suceder em variados casos, também fica evidenciado que, no caso da medicina, não foi essa a motivação porquanto não foram permitidas quaisquer faculdades privadas de medicina.
Ainda na busca de uma motivação consistente, sempre se poderá dizer que a qualificação profissional de um médico tem de ser mais exigente e que essa exigência deverá começar desde logo no acesso ao respectivo curso.
Não nos parece que tenha qualquer acolhimento esse tipo de raciocínio. Não cremos que um aluno com uma nota de 19 valores seja mais apto a prosseguir os objectivos de tal selecção, que um aluno com 18 valores, ou mesmo de 17 valores, já para não mencionar os regimes excepcionais (militares, emigrantes etc) que foram criados e que permitiram o acesso a medicina a alunos de 13 ou 14 valores, o que por si só envergonharia o mentor de uma tese desta natureza.
Tudo isto para não perguntar se alguém se assegurou de saber que nota tiveram no ensino secundário os médicos estrangeiros que trabalham em Portugal e assistem os nossos doentes nos hospitais públicos diariamente?
O que constitui numa descriminação objectiva dos cidadãos portugueses face
aos nacionais de outros paises!
Não foi por conseguinte por estas àguas que a fundamentação terá navegado…
PARA MELHOR ENQUADRAMENTO de algumas conclusões a retirar dos efeitos destas politicas nada como recorrer a uma experiência pessoal, num contexto social comparado, num pais europeu: o Luxemburgo!
Como o próprio é colaborador habitual do Blog CIDADANIA, pedimos-lhe para citar um depoimento breve sobre o assunto, parte de uma obra de memórias que se encontra no prelo para publicação, o qual enxertamos de seguida, em discurso directo, neste texto, quebrando a “monotonia” e dando-lhe maior vivacidade, mesmo em prejuizo de alguma coerência literária, para o que pedimos antecipadamente a boa vontade dos leitores.
“Quando morava no Luxemburgo como Director Europeu de uma empresa multinacional, tive necessidade, pela primeira vez, de consultar um médico, para o que pedi à minha assistente para se informar convenientemente e marcar-me consulta.
Recomendou-me um médico de renome, o qual, por sinal, falava português (descendente de portugueses, um lugar comum no Luxemburgo).
Cheguei ao consultório e pensei que a minha colaboradora se tinha enganado uma vez que me deparei com uma sala de espera modesta embora funcional e sem ninguém a receber-me.
Poucos minutos mais tarde abriu-se uma porta e apareceu um tipo com bata branca que se identificou como sendo o médico, comprimentando-me, questionou-me o nome e sobre o que me apoquentava.
Concluido o diagnóstico, descreveu a origem das maleitas, recomendou a terapia e prescreveu a medicamentação..
A consulta importou em 20 euros, que o próprio recebeu, informando-me que podia requerer o reembolso de 80% daquela importância, à Segurança Social.
Percebendo ser eu um residente recente, ainda informou que, quanto aos medicamentos, pagaria apenas 10% do preço dos mesmos !!!
Não consegui deixar de comentar acerca do contraste com experiências anteriores, embora poucas felizmente, em Portugal, o que motivou alguns minutos de conversa amena, durante a qual informou que, no Luxemburgo não há médicos do Estado, apenas privados.
No entanto, as consultas estão tabeladas em 20 euros para todo o país.
Por fim, sempre simpaticamente e sem qualquer hostilidade implicita, embora não conseguindo deixar de evidenciar na expressão a postura de que se integra num sistema mais à frente, acrescentou : “ A profissão de médico aqui dá para viver bem mas não dá para ser rico como em Portugal “.
Despedindo-me, cumprimentei-o, provavelmente com o ar visivelmente atordoado com que protagonizei esta experiência.
Nos minutos seguintes não consegui deixar de passar em revista esta realidade Luxemburguesa e de, inevitavelmente, reflectir sobre a mesma na relação com a Portuguesa.
E conclui: com os custos reduzidos ao minimo:
- Um consultório modesto mas apto e funcional.
- O médico faz tudo – o atendimento, a marcação, a consulta, o recebimento dos honorários.
- O preço é irrisório, tendo em conta que o ordenado mínimo no Luxemburgo é de 1 500 euros!!
O médico, desde logo, não é destinatário de qualquer desconsideração social por acumular trabalho de condição profissional inferior (não lhe cai nenhum parente na lama);
O médico encontra-se, preocupando-se com a contenção dos seus custos de exploração, em mercado aberto e concorrêncial;
O Estado intervem no mercado da saúde, regulando os preço das consultas médicas não deixando a população à mercê dos critérios dos médicos, com a tendência natural, face à importância relativa dos seus serviços, para a sobrevalorização dos mesmos.”
ESTE EXEMPLO SERÁ PROVAVELMENTE mais elucidativo sobre as reais motivações das politicas assentes nos “numerus clausus” que qualquer outra especulação que pudessemos alcançar.
È certo que o retrato impresso serviria para outros comentários, mas ficaremos pelo que aqui nos trouxe…
Ora, parece-nos que o “numerus clausus” para o ingresso nas faculdades de medicina em Portugal, destinando-se essencialmente ao controlo conta-gotas da entrada de médicos no mercado, pretende assegurar uma relação entre a oferta e a procura que mantenha uma oferta reduzida para uma procura constante ou em permanente crescimento, tudo com vista a manter os preços elevados da assistência na saúde.
Quando o mesmo não sucede em qualquer outra profissão, ficando quer a oferta quer a procura, ao livre arbitrio do mercado, na medicina privada os preços no mercado são artificialmente conservados, mediante o estrangulamento da oferta.
SEM REGULAÇÃO PELO ESTADO E ATÉ COM O SEU PATROCINIO!
Se se quizer uma manifestação evidente e premente do enorme poder das Corporações neste Pais, a Corporação dos Médico será sempre o exemplo número um e, em boa verdade, provavelmente o único!
Em nenhuma outra classe profissional, em Portugal, se encontra um poder tamanho, que conforme estratégicamente legislação tendente a manter previlégios e a assegurar rendimentos acima da média, mesmo considerada a realidade da UE a quinze e que deponha ministros resistentes, desafiando e vencendo o poder politico não alinhado.
Pasme-se como uma politica tão aparentemente inocente, ameaçou e ameaça o porvir, e pode durante tantos anos, assegurar previlégios económicos a uma classe profissional ao arrepio dos interesses gerais, os quais são integrantes do interesse público, face ao alheamento da sociedade civil e indiferente à manutenção do temor reverencial do cidadão-paciente na relação com o seu médico, ameaçando o desenvolvimento na qualidade e preço dos serviços de saúde privada e, em geral, o bem-estar!
Provavelmente tal medida, não foi assim tão asneática!
Patentes ficam os interesses privados que sacrifica e os que serve. Não conseguimos é descortinar que interesse público prossegue?
Post interesante mas muito subversivo.
ResponderEliminarVejá lá o meu amigo(a) se vai necessitar de um médico nos tempos mais próximos.
Ainda lhe receitam e oferecem algum medicamento fora de prazo.
Estive na Républica Dominicana hà bem pouco tempo e por necessidade tive de consultar lá um médico, na altura paguei 75 USD.
ResponderEliminarAchei caro, se tivermos em conta que aquele povo vive numa grande miseria, o preço que me cobraram é particamente o mesmo que cobram a um turista ou ao natural do País.
Tentei perceber porque eram assim tão caros os actos médicos praticados naquele País das Caraíbas. Disseram que é porque haver poucos médicos e eles cobravam o que querem, neste caso temos o mercado a funcionar (pouca oferta e muita procura)
Em Portugal o esquema é o mesmo veja-se os dentistas e o valor que cobram por uma consulta.
Porque é que a sua ordem coloca tantas as dificuldades aos estrangeiros quem se quer istalar em Portugal.
Porque é que muitos Portugueses já se deslocam ao Brasil, aproveitando as férias para lá fazerem os seus tratamentos dentários, a diferença de preço paga as férias e ainda sobra muito dinheiro. Tenho um amigo que em Portugal para o mesmo tratamento ia pagar 20000 euros no Brasil já com a viagem e estadia pagou 6000 euros.
Cada cavadela, uma minhoca!
ResponderEliminarVivemos um pais com uma governação secularmente negligente...é o que temos!
O mal afinal, não é só de Silves e sua Isabelita, é geral!
E em França são 25 euros por consulta, depois de uma greve dos médicos que recebiam 18 euros por consulta.
ResponderEliminarEssa agora, porque carga de água havia de um médico de atender 10 doentes por dia, dispendendo 30 minutos com cada um deles, não é que tinha que trabar 5 horas por dia. E se trabalha-se 20 dias por mês,durante onze meses só ganhava 55 000 euros ao ano.
ResponderEliminarAcham que alguem que demorou tanto tempo a terminar o seu curso iria trabalhar por este valor?
Nas últimas décadas Portugal evoluiu muito em várias áreas e a medicina foi talvez aquela onde se evoluiu mais.
ResponderEliminarSe nos recordarmos que hà quarenta anos uma parte muito significativa do nosso povo não tinha acesso a cuidados de saúde e que hoje estes cuidados são prestados a todos.
É verdade que a medicina é cara, mas atenda-se aos investimentos que médicos e outros profissionais da saúde necessitam de fazer em formação e em tecnologia.
Existem sim outras áreas onde Portugal não evoluiu tanto nas últimas décadas e uma delas é a Justiça, aqui os vários profissionais envolvidos não foram capazes para acompanhar a evolução dos tempos e vejam como está este país nessa área.
O temor reverencial a que o post se refere é um facto. Até quando conservarem-se estas relações dos cidadãos com o serviço dos médicos e também com a segurança social.
ResponderEliminarSerá que este senhores não percebem que quem os procura está em situação de défice habitualmente grande.?
Boas notícias para o Algarve
ResponderEliminarMais médicos, melhor saúde, preços mais baixos.
Notícia publicada no Barlavento.
Universidade do Algarve poderá estar em condições de ter um curso de medicina no ano lectivo de 2009/2010, com 30 alunos, mas a decisão definitiva é política e será tomada pelo Governo, anunciou hoje o reitor da instituição.
A questão dos numerus clausus em Medicina não passa de demagogia.
ResponderEliminarQuem disse que temos falta de médicos?